
O grande Marco Nanini em Carlota Joaquina
Não é à toa que Schopenhauer dispara que ‘cem néscios empilhados não dão um único homem razoável’. A ignorância continua dando trabalho.
Agora inventaram que Forças Armadas poderiam ser poder moderador; seriam a última instância para solução de conflitos; e a Constituição da República no artigo 142 autorizaria intervenção militar.
Juridicamente há-se rir. Faticamente cabe chorar, dado o atraso social que isso representa.
A Constituição enumera taxativamente três Poderes. ‘Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.’ Há algum ‘outro’ aí? Óbvio que não.
Fora deles, sem nenhuma vocação de Poder, mas com semelhança de autoridade constitucional, concedida pela própria Constituição de 1988 está apenas e tão somente o Ministério Público, entidade constitucional que tem tratamento (!) constitucional.
Situação totalmente diferente serão órgãos e departamentos da Administração Pública, meramente referidos (!) na Constituição, como Corpo de Bombeiros, Polícia Militar, Polícia Federal, Polícia, Civil e outros.
À época da feitura da Constituição houve quem, apressadamente, chegasse a considerar o Ministério Público um quarto Poder, pois que a Constituição no Título IV, intitulado ‘Da Organização dos Poderes’, organizando os únicos três Poderes, abriu não três, mas quatro capítulos. Inseriu o MP no quarto capítulo, ao lado da Advocacia Pública, da Advocacia e da Defensoria Pública, ou seja, fora dos três Poderes. Até então o MP pertencia ao Executivo.
Assim, se alguém quisesse supor, teoreticamente!, um 4º Poder, só poderia ser o Ministério Público. Mas de fato, a episódica confusão do MP como 4º poder foi rapidamente soterrada no Brasil e nunca mais se falou dessa bobagem.
Para quem gosta de ‘poderes’, outros há. O Dicionário de Política de Norberto Bobbio, p. 1040, no verbete ‘Quarto Poder’ ensina ser, no mundo, a ‘imprensa’ o quarto poder, por lição incontestável de Valério Zanone. Certíssimo.
Ainda, Gilberto de Mello Kujawski, ex-promotor de Justiça e filósofo, em rápido e primoroso artigo no site Migalhas, mostra ser a ‘publicidade’ o quinto poder, o poder que pôs a imprensa em seu devido lugar de veículo comercial. Certíssimo.
Esses dois últimos ‘poderes’ existem e são uma realidade em todos os países atuais e democráticos do Ocidente. Só que, naturalmente, não são, Poderes criados pela Constituição de nenhum país, na famosa tripartição do poder estatal – ou função, para ser mais exato-, criação genial do filósofo Charles-Louis de Secondat, vulgo Montesquieu. Não são Poderes formais.
As Forças Armadas, que em alguns importantes países democráticos, como os Estados Unidos, aparecem como grandes produtoras de ciência e tecnologia, e noutros servem para muito pouco, tipo manter mordomias de um mimado generalato invariavelmente obeso esperando se aposentar, têm, no Brasil, atribuição jurídica corretamente descrita na Constituição da República.
Mas, nem de longe, nunca, jamais se suporia serem, as Forças Armadas, um Poder. Muito menos ‘moderador’, até porque o provinciano e vetusto Poder Moderador como foi concebido no Império existiu acima dos outros três Poderes. Assim, nunca houve na concepção constitucional atual das Forças Armadas qualquer vocação para tal esdruxularia jurídica.
E também nunca houve pela própria evolução histórica de o que se concebeu, no mundo, conceituar-se como ‘democracia’, a sedimentação da tripartição dos Poderes, eliminando-se tanto o poder central, quanto uma eventual prevalência das Forças Armadas na política, coisa nitidamente ditatorial que não deve, em nada, interessar às próprias Forças Armadas.
Forças Armadas [ainda!] são relevantes para um país, mas são totalmente descabidas num governo, justamente pela afronta democrática que isso representa e é a História que o confirma: todas as ditaduras da América Latina, menos Cuba, por exemplo, vieram pelas mãos das Forças Armadas.
O ministro do STF Luiz Fux precisou falar o óbvio que qualquer estudante de Direito sabe: Forças Armadas não são poder moderador e essa tralha imperial ou outorga suspeitíssima simplesmente não existe no Brasil. Só na cabeça de autoritários ultrarradicais golpistas – e ignorantes, claro- que não se imaginava haver mais por este Brasil que se quer moderno.
O saldo disso tudo é que o Brasil, com essas discussões e debates surreais, não se mostra sereno democraticamente; resolvido institucionalmente; e evoluído socialmente. Mas preso a ideologias velhacas.
Jean Menezes de Aguiar
Categorias:Direito e justiça, Política