
O que deve interessar para um esporte olímpico? A competência, o treino, o preparo físico, a concentração, o ritmo intenso, a alimentação, os equipamentos, o histórico de vitórias, ou nada disso, mas uma bobajada moralista de um burocrático aperto de mão?
Não se surpreenda; e se surpreenda. Querer que agora o esporte, qualquer um, aja como um patrulhador social de alguma moral à qual um aperto de mão a um adversário possa ser superior à própria atividade esportiva, o resultado, a preparação, toda uma ideia de vencer o melhor, é simplesmente pegar-se o acessório como principal.
A coisa ficou crítica na esgrima, estes dias, um dos mais sérios esportes olímpicos de todos os tempos, quando a atleta ucraniana, tetracampeã mundial Olga Kharlan, cheia de personalidade e segurança simplesmente se recusou a apertar a mão da esgrimista russa, países que vivem uma estúpida guerra oriunda de um estúpido presidente russo, tendo a Federação Internacional de Esgrima, num primeiro momento, suspendido e desclassificado a atleta ucraniana.
Para felicidade do esporte – e da inteligência humana-, rapidamente os dirigentes da Federação Internacional se recompuseram, encontraram uma sabedoria às pressas e anularam o critério punitivista de aceitar um aperto de mão como mais importante que a essência e o resultado do esporte.
De quebra e a mero título de curiosidade, descobriu-se nos Estados Unidos, há poucas décadas, que o aperto de mão, para muitos tão denotador, por si só, de educação & finesse, é um grande fator de transmissão bacteriológica. Isso mesmo. Mãos costumam coçar e bulir lugares secretos e nem tanto maravilhosos do corpo humano. Mas – e sempre foi assim-, danem-se as lógicas, o que importa para selar uma amizade (…) é o aperto de mão, provavelmente imediatamente após o outro igualmente campeão da burocracia social: o ‘bom dia’.
Construções invariavelmente moralistas de que o esporte sela companheirismos e ‘une povos’ continuam a prestar exclusivamente dentro de um modelo moral que ‘quer’ se perceber assim. Esta esperancística ‘união de povos’ serviu zero-e-coisa-nenhuma para que a Rússia deixasse de declarar guerra à Ucrânia, e outros tantos povos e nações não estivessem nem aí quando entraram em cena grossos interesses econômicos, imperialistas e devastadores. Isso tudo e ainda que a atleta russa fosse absolutamente inocente na declaração de guerra. É, mas paga um preço da vergonha internacional de seu país, um preço justo. Continua sendo uma maravilhosa atleta olímpica, mas pelo mero fato de ser russa, sofre consequências mais ou menos normais. Apenas isso.
Que os apertos de mãos possam continuar a ser, para quem quiser, ‘importantes’, na medida de alguma moral de plantão, tudo bem. Mas jamais hábeis a cancelar um resultado olímpico, mundial, de superqualificação de um esportista reconhecido, numa situação de guerra e tragédia de seu povo, porque não quis ser ‘simpático’.
Seria razoável que outras federações esportistas refletissem sobre o tema, para não inverter e tratar o acessório como principal.
Estruturas moralistas e conservadoras costumam cobrar e julgar por ausências ou presenças de certas atitudes pessoais que elas próprias consideram corretas ou erradas, algumas dessas práticas ‘transformadas’ em culturas. O problema começa com o patrulhamento das práticas, espécie de vigilância moralista que sempre serviu na história para punir inimigos de ocasião. Felizmente isso não venceu na esgrima. Pessoas esclarecidas voltaram atrás rapidamente e corrigiram o equívoco.
Quando a atleta olímpica ucraniana se recusa a apertar a mão da atleta russa, para mentes formalistas, pode haver uma infâmia aí, afinal o esporte blá-blá-blá, mas para outros concidadãos ucranianos que vêm tendo famílias dizimadas pela guerra russa – e a sociedade russa, diga-se de passagem, não vem se insurgindo-, isso pode representar um alento político importante, visível ao mundo justamente de quem possui a chance de ter todos os holofotes em si.
Sabe-se, ainda, que estes padrões realísticos no esporte podem não triunfar. A FIFA por exemplo exige dos times de futebol aquela formação militaresca e teatralizada dos jogadores antes do início dos jogos, padrão já reproduzido nalgumas muitas federações. Não se sabe o que seria se um ou outro jogador resistisse àquela encenação e simplesmente saísse fora.
Já que o episódio da esgrimista olímpica punida e salva depois pela mesma instância tem a ver com as aparências do esporte, pode-se ouvir Johnjoe McFadden, desenvolvendo a teoria filosófica da Navalha de Ockham, em livro homônimo, quando ensina que ‘é melhor salvar as aparências por meio de menos causas do que por meio de mais.’ Assim, parabéns à esgrima.
Aparências, educações e modos sociais sempre foram conhecidos na antropologia como padrões culturais nem tanto importantes, mas naturais. Só não se pode pretender impô-los autoritariamente. Já dizia o gênio Hegel, ‘que as proibições sejam exclusivamente jurídicas’.
Venceu na esgrima, a esgrima. Era o que importa.
Jean Menezes de Aguiar
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