“Como pensar o gozo envolto nestas tralhas?”

Wilson Canhas, com frase título de Hilda Hilst, discute a vida moderna urbana. A metrópoles, a correria, os três momentos do dia, o retorno à família, aos amigos e a si próprio. O caos e as sugestões práticas para vencê-lo.

“Como pensar o gozo envolto nestas tralhas”

Apesar de continuarmos tentando a nos acostumar a este caos denominado “vida moderna na metrópole”, podemos sim tentar alternativas que nos tirem um pouco do cimento de cima do corpo, da mente e por que não, do coração. Poucas horas de descanso e lazer (de qualidade) tentam compensar um ciclo interminável de muitas horas de trânsito, excesso de trabalho, além de todo o tempo que as redes sociais e a internet acabam nos tomando, com a promessa de nos manter bem informados e bem relacionados socialmente, o tempo todo. Tais demandas inesgotáveis advindas do mundo externo, conectam-nos literalmente como um grude a somente algumas poucas possibilidades, de tudo o que poderíamos fazer em nossa vida.

Mas você vai dizer: “Mas, eu não tenho tempo para fazer mais nada, nem quero!” E eu acredito que não tenha mesmo. Também estou na mesma correria. Porem podemos refletir sobre a divisão ideal das 24 horas do dia do trabalhador, aquela da revolução industrial proposta por Robert Owen, e adotada primeiramente por Henry Ford, que garantiria ao trabalhador, 8 horas de descanso, 8 de trabalho e 8 horas de lazer. Faça suas contas. Bate? Utopicamente o modelo parece até interessante à primeira vista, mas na prática não funciona tão bem assim. O sistema capitalista não permite tal fantasia.

foto Carla Vita

foto Carla Vita

 

Nosso tempo diário é jogado no liquidificador da contemporaneidade e o utilizamos quase totalmente buscando oportunidades de trabalho, novos contatos, novas possibilidades de garantir bons contratos, buzinando no trânsito e não querendo olhar pra cara de ninguém quando chegamos em casa. Onde estarão suas horas de descanso e lazer, ou o tempo “de qualidade” que você poderia utilizar de fato para relaxar e se recompor? Acho que ficou no cruzamento da Consolação com a Paulista, em um mau dia de trabalho, ou no aumento do condomínio. Mas será que estamos predestinados a termos dias ruins e estressantes? Não deveria ser um pouco mais divertida esta história?

Trabalho é só uma parte no “gráfico pizza” da vida. Se dividirmos a vida em 8 fatias, quantas tem o sabor trabalho? Mais de 4? 5? “Houston, nós temos um problema!” Quais fatias tem o sabor família, amigos, prática de atividade física, livros, filmes, ficar sem fazer nada? “Mas, eu amo minha família e faço tudo por ela”, alguém poderá dizer. Mas estamos falando aqui sobre tempo de qualidade: brincar realmente com os filhos, interessar-se de fato nas banalidades corriqueiras e efêmeras do dia de sua namorada, ligar para um amigo e perguntar como ele passou a semana.  Regar as plantas, sair pra dar uma volta na rua e esquecer o celular, e quem sabe perguntar in real time “what’s up” para alguém legal e real. Dá pra distribuir melhor nosso tempo, não? Repensar as proporções.

Isto, com o tempo vai parecendo pouco importante, porque realmente estamos cristalizados em ganhar dinheiro para garantir segurança para nossas famílias e para nós mesmos. Financiar a casa própria. Comprar novos produtos eletrônicos e alcançar o status de incluídos tecnologicamente. Jantar em restaurantes de grife. Virar garrafas de Chivas. E tentar encontrar nestas ações o gozo explosivo prometido,  sempre inferior ao que julgávamos que seria.

Encher nossos filhos de presentes ou de abraços?

Somente questões abertas para checarmos o modo de vida que estamos optando. Estamos optando? Ou alguém escolhe isto por nós e a gente assina embaixo em 12 vezes sem juros no cartão? Quem eu quero ser de verdade? Estou próximo ou longe de meu ideal?

Os setes sábios do oráculo de Delfos, já deram o toque pra nós, em 550 a.C. aproximadamente: “Ó homem, conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o universo”. Pergunte a você mesmo se a matemática do tempo de sua vida esta correta. Se você concorda com ela, se você esta feliz.

As vezes não vai dar pra trabalhar menos neste momento, mas que tal criar novos projetos, que tal começar mudando seu dia a dia? Dar à sua família e a você mesmo novos presentes, que não custam nada, somente afeto e atenção. Isso já o faz economizar no novo vídeo game da moda e quem sabe perder em uma guerra de pipocas com seu filho. Escute sua musica preferida bem alto, dance pela casa quando estiver sozinho ou bem acompanhado, dê “bom dia” para o ascensorista, para seus colegas de trabalho, e um “boa noite” especial para sua família. Beije mais sua mulher. E vá modificando seus dias, esquecendo-se um pouco mais dos problemas e divertindo-se com as soluções. Almoce melhor, jante na mesa com sua família e interesse-se pelo dia de cada um. Vá mais a feira e menos ao supermercado. Cante quando estiver tomando banho, sem medo que alguém te ache louco. Alias, acho que é isto que precisamos. Precisamos acreditar que podemos cruzar o cimento que cobre nossos dias e nossa vida, e correr e correr e correr, um pouco mais, todo dia.

Wil Canhas

Wilson Canhas, OG.



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2 respostas

  1. Em primeiro lugar, a foto é linda. Em segundo, gostei muito dos pontos, discordando um ponto sobre o que permite ou não o sistema capitalista. Acho que isso tem a ver com a gente, nossas crenças, permissões e não autorizações, o que gera o aprisionamento.

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