
O pensamento historicista possibilita imaginar o tamanho de tempo futuro para o conserto de certas relações defeituosas que a vida cria, no passado, e acabou mantendo por longos períodos. Pensar assim, com algum conhecimento e dimensão históricos, pode ser torturante. Chega-se à conclusão de que pode não vir a dar tempo para consertos entre pessoas específicas que não deveriam estar brigadas.
Sérgio Augusto contou, no Estadão, que ficou 17 anos e 3 meses brigado com Ziraldo. Mas no enterro de Paulo Francis, em 1997, à beira do túmulo de Francis foi a Ziraldo e disparou: “Estamos todos morrendo. Não podemos perder mais nenhum amigo.” Compuseram as pazes.
Mas não é todo mundo que tem esta maturidade; ou que tem 17 anos para ‘perder’; ou que sabe reconhecer coisas; ou, por fim, que recompõe verdadeiramente defeitos e rusgas.
Há duas teorias aí. O vaso quebrado. Se colado e não vasa água, está tudo bem. Já a outra diz que colado sempre terá a cicatriz, e para sempre será um vaso colado. Para cada situação da vida pode-se ‘escolher’ se se verá o não vazamento ou se se verá a cicatriz.
Grandes amigos não deveriam se ‘perder’ numa só vida. Pelo menos não no espaço de uma. Como não existem outras, tudo tem que ser feita nesta. Parentes que um dia também foram grandes amigos, poderiam não se afastar, ou se recompor. Meramente porque já conseguiram se dar muito bem. E se dar muito bem não é coisa tão fácil assim.
Por outro lado, consertos precisam ser verdadeiros. Consertos formais, educados, polidos, gentis ou que não tragam toda uma vontade rasgada de amor e carinho, não servem para muita coisa, a não ser se dizer publicamente que a situação foi consertada.
Para quem é superficial, formalista, cerimonioso ou bem-comportado um conserto polido funciona muito-bem-obrigado. Mas essas pessoas que não primam pelo conteúdo talvez tenham somente amizades superficiais e protocolares.
Se o assunto é de grandes amigos ou grandes parentes que um dia foram grandes amigos – sim, parentesco não quer dizer obrigatoriamente grande amizade-, consertos deverão obedecer à cartilha do conteúdo e da verdade, e não à do formalismo e compostura.
Por outro lado, sempre dá tempo, pelo menos enquanto não se morre. Basta um surto qualquer de amadurecimento, de inteligência e de reflexão para que recomposições verdadeiras sejam feitas, como a de Sérgio e Ziraldo.
Certos ‘andares de carruagens’ são complicados. Pessoas que se conhecem sabem, perfeitamente, se uma recomposição é proforma ou verdadeira. Mentiras e cinismos são fáceis, tanto de se fazer, quanto de se perceber. Mas verdades profundas às vezes são psicanaliticamente difíceis para certas pessoas. São travas, muralhas, histórias, valores e frustrações que muitos não conseguem vencer.
Saber, ou se conscientizar, existencialisticamente, que a vida é uma só, pode ser um bom começo. Já desperdiçar a oportunidade de consertos pode ser um erro bastante grave, só percebido quando não der, mesmo, mais tempo.
O genial Carl Sagan dizia que quem está morto não deve estar se divertindo. A vida, pela sua mera experiência, já é a diversão. ‘Parabéns’ aos vivos. E juízo com as amizades.
Imitar Sérgio Augusto enquanto há tempo para os consertos e pazes é tudo de bom.
Jean Menezes de Aguiar
Categorias:Filosofia

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