Começo rapidamente ‘me defendendo’. Sou filho de nordestina, baiana. Se não fosse talvez não pudesse escrever isto. Há um modismo intelectualmente vadio em se patrulhar certas críticas e verdades. Mesmo que razoavelmente equilibradas. Assim, o ser filho de nordestina é um nada metodológico, sabe-se, apenas um tônus emotivo piegas que ‘talvez’ proteja. Mas vá lá.
A prestação de serviço em alguns muitos lugares do Norte e do Nordeste continua homogeneamente ruim. Não é só mera ‘coincidência’.
Viajo profissionalmente há 35 anos pelo país. Efetivamente por todas as capitais e muito interior. Convivo com gente que viaja igual. O comentário parece ser unânime em relação à qualidade de serviços.
Sem pretender juízo de valor, aspectos moralistas, ou culpas, parece haver uma questão antropológica, cultural mesmo, que não deveria ser menosprezada. Não se pode cair no simplismo estigmatizante de não se poder falar nada crítico do Norte e Nordeste que tudo será ‘discriminatório’ ou ‘preconceituoso’.
Um colega pede um suco de laranja sem açúcar. Vem com aquela mancha branca de açúcar no fundo. Ele mostra ao garçom. A resposta sai arrastada: ‘-não mexa!’. Parece, mas não é piada.
Eu peço que o barman olhe, por gentileza, o meu uísque e o charuto num hotel onde fui convidado para uma palestra. Digo que vou ao quarto pegar o celular e volto em 3 minutos. Falo pausadamente. Certifico-me que o rapaz entendeu. Vou. Quando volto, sumiu o charuto. Pergunto onde está. Ele chama o outro atendente, Wedisleywilson, e indaga onde está o charuto. Wedisleywilson responde ao seu modo: ‘- o charute? ih joguei no lixo!’. Ato contínuo nosso rapaz enfia a mão no lixo e me entrega o charuto com a frase: ‘- tome, tá limpinho”. Apenas um detalhe, o hotel era um 5 estrelas.
Em alguns hotéis, de bom nível, veem-se no café da manhã praticamente todos os copos não efetivamente limpos. Prontos para uso, mas ‘meio sujos’. Indagado o responsável, ele pega um desses copos, olha contra a luz e diz: ‘-ué, tá limpo!’.
Uma colega pede uma sopa de legumes. Sopa, tem caldo. Meia hora depois vem um morro de legumes cozidos sem uma única gota de caldo. Ela pergunta pela ‘sopa’, o rapaz olha para o prato e diz com total cara de espanto: ‘- ué, a sopa!’.
Num outro hotel, sábado de feijoada. Acaba o feijão na grande vasilha de barro, no bufê. Vem o cozinheiro, da cozinha, com uma imensa panela e plof plof plof. Despeja o feijão na tigela. Resultado, respinga feijão em pessoas da fila, no chão e na toalha da mesa. Um ‘detalhe’, o hotel é um 5 estrelas. Clientes que reclamaram receberam pronta resposta. ‘-Ué, eu tinha que trazer o feijão!’.
Esses são apenas casos de uma coleção, ao longo de décadas.
Será que mandar o cliente não mexer o suco de laranja é um bom serviço? Enfiar a mão no lixo e devolver o charuto é algo que a hotelaria reconheça como um bom padrão? Copos um pouquinho sujos atendem? Sopa pode ser um amontoado seco de legumes com péssima aparência? Feijão quente pode respingar pelo chão e nas pessoas?
Pode-se reparar um padrão curioso. Em todos esses casos, e outros, há sempre uma resposta, um retrucamento. Parece que esses ‘colaboradores’ (palavra da moda) não gostam de ser advertidos. Mesmo que errados, e com gentileza. Tratam o cliente como se ele fosse um tonto. Ou não veem defeito algum. Não existe o princípio de ‘o cliente ter sempre razão’. Tudo bem que esta equação é filha bastarda de um consumismo espumoso e desafia críticas óbvias. Mas ‘parece’ que nos casos acima, os clientes tinham toda razão.
Há serviços exemplares. A globalização causou efeitos. Alguns até benéficos e nem se precisa falar na discutível plaquinha de banheiro para que se ajude a salvar o planeta economizando toalha.
O problema é que sai década e entra década os serviços de táxi, segurança, hotéis, aeroportos, limpeza de ruas, muitos, continuam totalmente sem boa eficiência. Mesmo em cidades com altíssima frequência de gente estrangeira e brasileira buscando turismo. Não se quer um Norte-Nordeste meia boca. Mas padrão excelente de eficiência.
Não adiantam milhares de quilômetros de linda costa marítima e serviços ruins. Também é óbvio que toda regra tem exceção, esta observação vale contra chatos radicais de plantão. O Sul e o Sudeste, em não poucos casos, têm serviços episodicamente sofríveis.
Mas se o Norte e o Nordeste atraem tanto por sua gente hospitaleira e festeira, muitos serviços continuam ruins. Isso precisa ser revisto, recapacitado. É o próprio nortista e nordestino que tem reclamado. As regiões merecem qualidade. Programas governamentais e privados sérios têm que correr contra o tempo nessas áreas, visando a um turismo exemplar, perfeitamente limpo e com segurança. Jean Menezes de Aguiar / OBSERVATÓRIO GERAL.
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Excelente texto!
Viver no Nordeste é uma aventura diária. Eu que o diga.