Goleiro Bruno e a sociedade vingativa

Bruno

 

Bruno, condenado pela morte de Eliza Samudio, ficou 7 anos preso. A sociedade não se conforma. Se tivesse ficado 10, se conformaria? E 12, e 15? Parece que não.

 

A imprensa patrulhadora, esta que o persegue e não deixa ninguém esquecer – se possível com fotos escandalosas, o que ‘vende’- também se conforma com a pena imposta? Parece que não.

 

O que a sociedade e a imprensa quereriam como ‘pagamento’ social de Bruno pela morte da moça? Prisão perpétua? Enforcamento? Degredo e fome até morrer de inanição? Ou espancamento em praça pública? É difícil saber.

 

Nem se precisa entrar na questão meritória de 7 anos serem quantidade justa ou injusta. A impressão é que a imprensa sensacionalista não se contenta mais com nada. Só com hemorragias sociais que, no fim das contas, vendem mais jornal.

 

No Direito a questão de Bruno é meio simplória. Cometeu um ato bárbaro, perverso e altamente criminoso, mas foi pegado, processado e condenado. Cumpriu a pena. A pena é indicada pela lei. Há um ordenamento jurídico brasileiro que prevê tipos e doses de pena. Mas na sociedade do escândalo certamente qualquer pena será pouca.

 

O advogado Roberto Podval, defensor de Zé Dirceu, disse que estão matando seu cliente. Para muitos dessa mesma sociedade é isso que lhes faz feliz. É isso mesmo que os inimigos ideológicos merecem.

 

Em tempos de exageros e pirotecnias ideológicas, em que qualquer um defende qualquer ponto de vista, mesmo sem um mínimo – mínimo!- fundamento, o Outro, seja ele quem for, só pelo fato de ser outro, já é um inimigo em potencial.

 

Jean-Paul Sartre, na obra O ser e o nada, mostra que ‘O Outro é o mediador indispensável entre mim e mim mesmo: sinto vergonha de mim tal como apareço ao Outro’. Por aí, talvez, numa leitura parafraseada, quem queira ‘matar’ Bruno, seja um Bruno idêntico e, claro, não terá a claridade de ver filosoficamente isso, como enviesado por Sartre.

 

A sociedade punitiva, acusativa e odiosa não é uma sociedade em progresso. Não há aí mentes e corações dolorosos – o que seria um lado do horror do homicídio –, mas mentes e corações vingativos, o que é o pior lado do mesmo crime. Esta sociedade trocou a dor pelo ódio.

 

Para esta mesma sociedade e imprensa, o problema não é a família da moça morta, mas Bruno. Não se busca saber do carinho, atenção e amor à família de Samudio, mas apenas ao impedimento de Bruno. Ele não pode trabalhar, ele não pode voltar a ter uma carreira, ele precisa ser vaiado nos campos, ele não pode pagar, jamais, pelo crime. Terá que ficar um eterno devedor e objeto de expiação secular a bel prazer desta sociedade. Pelo tempo assimétrico e sobredosimetrado que ela quiser e supuser. É ela que tem que ser a senhora desta pena social, pelo menos até que um novo Bruno roube futilmente a atenção.

 

Este artigo não é ‘em defesa’ de Bruno. Este seria um manejo intelectivo primário. Até porque não há o que se defender – ou acusar!- em Bruno. Sua dívida não é para com a ‘tal’ opinião pública. Mesmo que esta jactanciosamente queira se ver como credora de um moralismo permanente.

 

Talvez o que incomode mesmo seja esse Bruno conseguir emprego no dia seguinte que sai da cadeia e não percorrer as vielas dos desempregados do país. Não ‘sofrer’ como um ‘posto de lado’ em vingança social pelo crime que a pena de prisão imposta, então, não quis dizer nada. 7 anos? São nada. Tinham que ser 100.

 

Um dia deverá chegar a hora dessa tal ‘opinião pública’ perceber como é jogada de um lado para o outro, bonitinha, por uma imprensa que manipula não mais o dado, o fato ou a notícia, mas o sentimento por meio da informação.

 

Enquanto isso, perdurarão essa ética pseudoaustera bem duvidosa, esse moralismo de plantão, e essas perseguições nazistoides por retidões e comportamentos briosos.

 

Para os chatos que não admitem meia linha a favor de uma dialética sobre o que lhes contraria, vai, de novo, um juízo de valor adrede e sob encomenda: o crime de Bruno? Infame e maldito. Pronto, simples. Mas o ordenamento jurídico, certo ou errado, existe em todas as civilizações modernas para essas tragédias próprias, propriíssimas da humanidade. Apenas esse furor social de ‘continuar’ a julgar o Outro, com exemplaridades e interminavelmente também refletem pontos totalmente discutíveis. Péssimos mesmo.

 

Já se espera a imprensa toda acompanhando a primeira partida de Bruno, num time de segunda divisão, como se fosse uma final de copa do mundo. ‘Vivam’ a avidez e o escândalo.

 

Jean Menezes de Aguiar / Observatório Geral



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