Nesta atualidade urgencificada, foram criados programas e aplicativos para que pessoas ‘sigam’ e deem likes a outras. Um tipo de adoração, mimo ou confete virtual. Eu sou seu ‘seguidor’ e você é meu ‘seguidor’. Uma meia ou troca-troca digital de felicidade tecnológica.
Será que esses ‘seguimentos’ e likes valem mesmo isso tudo? Deixando de lado quem faz isso profissionalmente, com milhares de seguidores, e ganha dinheiro com isso, uma forma de competência comercial óbvia, toda essa troca-troca de ‘likes’ parece ser um lúdico-alegre online. Uma forma de dizer ‘bom dia’ em épocas simplificadas pelos emoticons.
Parece que um dos sentidos por trás disso tudo é um certo complexo de guru. Tenho mil seguidores, diz um. O ‘rival’ na conversa logo se apressa: eu tenho mil e quinhentos. E por aí vai esta nova medida quase-peniana social de importância, ou de arrasto de séquito a distância.
Já em 1991 o filósofo Jacques Derrida foi entrevistado por Franz-Olivier Giesbert, para o Le Figaro Magazine; está na obra Papel Máquina, de Derrida. Giesbert foi incisivo na pergunta: ‘Como se pode filosofar no tempo da comunicação e da internet, quando todo mundo acredita saber tudo sobre tudo?’
Além de haver esta impressão, de que todo mundo passou a ‘saber tudo’, o que é um equívoco monumental, há um segundo dado igualmente preocupante produzido esta semana pelo site francês Ipsos: o de que a parcela de ‘crença’ que alguém tem sobre alguma coisa ou ‘conhecimento’ seu, particular, existente ou inventado por ele próprio, ‘lhe basta’, como verdadeiro conhecimento ou saber.
Se ambas as percepções fossem conjugadas, o mundo teria ‘resolvido’ o problema da ignorância e da falta de saber.
Verdadeiros produtores de conhecimento, de intelectualidade, de ciência, de tecnologia, de arte, de encantamento e de sabedoria em geral talvez certamente já estão sendo postos de lados por tristes imbecis crédulos, ignorantes vaidosos, e toda uma ‘elite’ de modernidade fluida e obrigatoriamente superficial que se ‘contenta’ com a aparência do dado, a aparência do conhecimento e a singeleza de um saber autoritariamente inventado, ou um dogma engessado. Ainda que completamente errado. E tudo isso não é novo.
Neste contexto, a ‘sociedade da informação’ teria ficado restrita, simplória e exclusivamente, à informação mesmo. Nunca ao conhecimento, coisa bem diferente.
Numa espetacular democracia valorativamente esgarçada como a que urbanos e descolados sugerem, sem ousar usar o nome-palavrão (para muitos) ‘anarquia’, realmente vale tudo. E é bom que valha mesmo. Cada um escolhe para si seguir quem quiser, ser seguido por quem lhe aprouver e ninguém tem que se ‘meter’ com a vida de ninguém. Este ultraindividualismo, reconheça-se, foi uma conquista psicanalítica das sociedade que tanto conseguiram matar Deus na cultura quanto afastar o Estado de suas decisões.
O problema é quando isso chega às noções de ‘conhecimento’.
A internet continua sendo a melhor coisa dos longos e últimos tempos. Sua revolução se mostra cada dia mais espetacular.
Muitos não gostam de discutir a ‘ignorância’ e ‘burrice’. Acham que é ‘ofensivo’. Até se entende essa ‘preocupação’ um tanto quanto defensiva. O historiador inglês Peter Burke, na recente obra de 2015, O que é a história do conhecimento, diz que ‘os estudos do conhecimento começam a abarcar os estudos da ignorância’. Já Adorno e Horkheimer, em Dialética do esclarecimento, mostram ‘uma das lições que a era hitlerista nos ensinou, é a de como é estúpido ser inteligente’, referindo-se a vaidosos argumentos ‘bem fundamentados com que os judeus negaram as chances de Hitler chegar ao poder’, deixando evidente o erro da ‘superioridade bem informada’. No último capítulo do livro, abordam rapidamente a ‘gênese da burrice’.
Um saldo disso é que sempre haverá quem saiba distinguir, tranquilamente, conhecimento de ignorância; informação de conhecimento; notícia de saber. E, claro, sábio de cartador, e estudioso de ‘bem informado’. Em tempos de internet, likes, seguidores e outras alegrias, parece ter aumentado imensamente o número de pessoas que acreditam que ter seguidores ‘basta’.
Até basta, para uma série de efeitos, sensações e alegrias, e a vida é feita também dessas delícias oníricas e delirantes.
Mas o certo é que o bom e velho ‘conhecimento’ continua requerendo observação, estudo, paciência, comparação de dados, análise, crítica, maturação e outras coisas mais. Vida longa aos ‘gurus’ de internet. Estejam onde estiver, na revista Contigo, na Caras, na Globo ou nalgum site por aí. Mas vida longa ao conhecimento também, com suas exigências e métodos seculares, e méritos pessoais que continuam valendo muito, pelo menos para quem dá valor a ele.
Jean Menezes de Aguiar/ Observatório Geral
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