

É possível um resumo do mundo atual em um meio parágrafo, sempre é.
Trump, alvissareiro. Rússia imperialista invasora. Os irmãos siameses Islã terrorista e Israel assassino, nada de novo. Autoritários triunfando com esperanças popularistas. Por aqui, um neoBrasil falcatruisticamente religioso, uma extrema direita reabilitada ao preconceito, e o Estado, o de sempre, safado enriquecendo os seus. Não correndo por fora, o novo conceito de futuro: o daqui a pouco.
Sobre a análise, se se trata de predileção pelo meio copo vazio, vá lá, que seja, mas ele é mais real que sua metade líquida, pronta para evaporar, afinal ele já é, não mais espera por sua verdadeira existência certa, ainda que aposterística. O nada sabido já é a existência, não uma desesperança previsível atrelada a uma mera espera, e só essa certeza torna segura a leitura.
A amargura, que sempre foi um pensamento reflexista, não apenas por algum traço autoconsumidor, mas pela própria substância do objeto, se mostra como talvez a única droga possível a uma superfluidade que até seria intelectualizada, se fosse dolosa, e não apenas vivida, como consequência surgida em geração espontânea incalculada, um quisto aparecido.
Aí, talvez ninguém melhor do que Cioran para inspirar numa desinterpretação do presente; uma preparação sensível a novos conceitos que reantropologizam um curso histórico humano não desenhado pelo intelecto, mas apenas continuado, por séculos, por uma biologia à qual meramente se descobriu ser assim; e principalmente uma desconfirmação da sabedoria e da ciência, que, dentre outras coisas, melhoraram a vida com segurança, leis preditivas, curas e outras verdades.
Parafraseando o pensador, parece que não se vive atualmente um sistema, cujas verdades nocivas serão o único que sobreviverá. Sistemas são composturas idealizadas, que podem até ser maléficas, na sua essência, mas se explicam, ou entrópica ou finalisticamente. Nem isso há. Se houvesse, haveria uma compreensão possível para o aporético estético que se experimenta, envelheceu o pós-moderno, e refoge da anarquia valoral, sempre promissora, que seja. Como explicar o bebê reborn e o sofrimento pela esperança da mentira, que não apenas expõe a desrelação entre um eu e o nada, mas oferece um voltar para casa com um nada então humanizado precisando de colo? Como ler o formidável homem barbudo de um metro e noventa oito de músculos, vestido de mulher no aeroporto, buscando desexistencializar todo o ridículo da humanidade, ou apenas viver a experiência de um eu-outro que, pela publicidade cênica assumida o condenará à eternidade nesse outro despsicanalizado e ostensivo? Como classificar o pai que enterra a filha vitimada por falta de vacina e declara, vaidoso, que refaria a estupidez, não vacinando-a de novo, numa não reinvenção da burrice customizada, mas confirmação de um egoísmo ególatro-ideológico comprovador de um novo padrão de fidedignidade a um líder, assassina da própria prole?
Dizer que a humanidade sempre se esfregou lasciva no absurdo não é novo. Dizer, também, num vaidosismo epocal, que ‘agora é diferente’, como cabeças velhas repetem, que ‘antigamente é que era bom’ é outra jactância oca. Então o que há? Talvez apenas a renovação do esdrúxulo surpreendendo a cada momento
Certamente há Cioran numa atualidade inimaginada por ele, como a brasileira, quando considerou a perenidade histórica do prestígio do Evangelho ligada ao fato de o livro ser uma fonte de agressividade e veneno, não apenas por seus despachantes terrenos financeirizados pela fé incauta. Também haverá ele quando defendia a sempre mentira da mulher, como forma de talento, condenada a um pudor sabidamente imposto por um eterno preconceito macho. E quando relaciona a salvação da humanidade ao futuro do cianureto permite que a morte lhe contamine o olhar poético, para deparar-se com um viver trágico, ao qual a finitude contamina qualquer autorização esperançal.
Parece não haver o novo mesmo, uma indagação que afeta o histórico, perenizando-o até o presente, mas se é certo que Cioran foi mais longe do que Nietzsche em razão da maturidade de seu cinismo, há aí uma condenação historiográfica a quem vem depois, porque a supressão do novo substancial, não apenas do processual, era uma esperança de que o futuro poderia surpreender. E a ausência de ideia de surpresa torna a leitura por demais amargurada, não tanto como a poesia do filósofo, mas como a espera da evaporação do meio copo cheio, angustiada, triste, porque sabidamente certa e infalível.
Jean Menezes de Aguiar.
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