Esperava-se para quarta feira, 18.9.13, 14h 30, o voto judicial televisivo de Celso de Mello, ministro do Supremo Tribunal Federal. A questão era sobre a possibilidade do recurso de embargos infringentes no processo conhecido como Mensalão, a ação penal 470.
O escore estava empatado em cinco votos contrários e cinco a favor. A pressão da imprensa era muito grande, para ambos os lados, ainda que os chamados “jornalões” instigassem a sociedade pela rejeição do recurso. Para o dia do voto de Mello o STF alocou dezenas de agentes de segurança, todos com roupa do filme Men in Black ou programa humorístico CQC. Não faltaram os óculos escuros. Foi feito um cordão externo de isolamento quase infinito, na rua, visando a barrar eventuais manifestações “blackbloquistas”.
Os votos anteriores, na sessão de 12.9.13, contiveram um pouco de tudo. Luis Roberto Barroso foi paciente e didático ao desmontar um a um os argumentos de Joaquim Barbosa contrários ao recurso. Marco Aurélio, noutra passagem, se irritou e o chamou de “novato”. Levou o troco na hora. Na rua dir-se-ia: “chupa!”. Luiz Fux empolgado fez aceso ataque à possibilidade do recurso. Gilmar Mendes optou por um gestual de ira, girando em 180 graus constantes na cadeia quase aos gritos.
Ainda em 12.9.13, quando se atingiu o empate de cinco a cinco, na hora de Celso de Mello votar, garantindo este ministro que seu voto seria rápido, Joaquim Barbosa, para surpresa de todos, estancou a sessão. Em desconcertante manobra processual, adiou a votação. Abriu um interregno de uma semana até a data fatídica de 18.9.13. A manobra um tanto quanto grosseira foi censurada por muitos observadores. Ficou uma imagem de ruptura ética.
Numa aula digna de constitucionalista e humanismo, o ministro Celso Mello, com seu ar serelepe de garoto, ágil e feliz, salvou o STF da fogueira. Agora já em 18.9.13. Se se mantivesse a proibição do recurso em ação penal de índole condenatória, o Supremo daria, inequivocamente, uma canetada obscurantista, autoritária e violadora dos direitos humanos. A comunidade jurídica, que não discute o tema como se discute futebol, certamente perderia a referência de confiabilidade na Corte. O desastre seria tecnicamente devastador. “Mesmo” havendo José Dirceu como réu, que para muitos é a encarnação do mal.
Mello salvou o Supremo, mas também salvou o Brasil de ser levado à Corte Interamericana de Direitos Humanos. A truculência processual de inadmissão de recurso em uma ação penal com índole condenatória certamente geraria a corrida dos advogados dos réus à Corte. Ou imediatamente ou após o trânsito em julgado da decisão.
Não se descartaria a possibilidade de uma “liminar” da Corte Interamericana ordenando que o Brasil se abstivesse de prender os réus, mesmo condenados pelo Supremo. Enquanto não se verificasse um segundo julgamento de índole recursal. Seria o vexame jurídico do século.
Mello invocou frontalmente a Corte Interamericana de Direitos Humanos e o Pacto de San Jose da Costa Rica para lembrar a submissão do Brasil à “jurisdição contenciosa” da Corte Interamericana. Ou seja, o Brasil se obrigou formalmente a reconhecer e “a cumprir a decisão da Corte em todos os casos”, em suas palavras.
Demonstrou o ministro que o princípio do duplo grau de jurisdição não pode conter ressalvas, o que representou séria contestação a outros magistrados do próprio STF que, para rechaçar os embargos infringentes, praticamente disseram que não existe o princípio. Uma construção simplesmente abominável.
Mello disse mais. 1) “O Supremo é o espaço de proteção e defesa das garantias pessoais”, mostrando que não há como solapar a possibilidade de um recurso de defesa. 2) “O Supremo não pode se expor a pressões externas”, recolocando as coisas em seus lugares, relativamente a pressões da grande imprensa. 3) “A legitimidade do Judiciário não repousa na coincidência de uma maioria popular”, de novo mostrando que o Direito tem suas lógicas, razões, princípios e estruturas científicas. 4) “Deve ser buscada a racionalidade jurídica”, mais uma vez reafirmando valores internos do Direito e não um resultado decisório popularesco para agradar uma ou outra banda da sociedade ou elite.
Como se não bastasse, prosseguiu e afirmou que os embargos infringentes são cabíveis “ainda mais por se tratar de processo penal de índole condenatória”, como também “o que mais importa é a preservação do compromisso institucional desta Corte suprema com o respeito institucional ao devido processo penal”. Mello foi espetacular.
Não se trata de uma idiota “reserva de mercado” ou “argumento de autoridade” no sentido de restringir a avaliação jurídica a quem só pertença ao mundo do Direito. É claro que toda avaliação “técnica” ou mesmo “científica” no Direito pode conter alguma “ideologia”. Isso se traduzirá numa ou noutra forma de “interpretação jurídica”, um instituto difícil no Direito. Mas admissores ou contestadores dos embargos infringentes que caíram no “gosto popular” precisam entender que o processo penal tem natureza de “garantia”. Nenhum homem pode ser condenado sem um processo com todos os “recursos”. Sair disso é discriminar a democracia, a liberdade e os direitos consagrados na Constituição. Não seria o Brasil que todos querem. OBSERVATÓRIO GERAL.
[Artigo republicado nos jornais O DIA SP e O ANÁPOLIS, GO – Jean Menezes de Aguiar]
Categorias:Direito e justiça
Ministro Celso de Mello, é claro e evidente que na noite de 18/19/2013 o senhor deve ter literalmente dormido o sono dos justos, após confirmar com o seu voto que o sentimento de justiça não é apenas uma quimera…
Foro por prerrogativa de função, privilegiado, não tem duplo grau , por decisão do próprio constituinte. Não há violação ao Pacto de São José da Costa Rica, pois o legislador que escolheu a competência originária do STF , já contando com a impunidade reinante que desgraça esse país. Agora querem duplo grau?? Tão simples. Acabem com o foro privilegiado e terão. Mas ficar com os dois não é possível. Só na cabecinha doente de petista cego.