“Ficha suja” propõe censura a ativista virtual

paulo francis

Vive-se um tempo no Brasil de maior participação popular. O ativismo de cidadania acaba sendo uma ótima resposta a um Estado historicamente corrupto desde sempre. Mas quando a população começa a experimentar mecanismos de reação, nas redes sociais e nas ruas, o pensamento conservador mostra suas garras. Primeiro chama todo mundo de “vândalo”. Depois parte para silenciar mesmo.

No artigo inaugural do amigo de Brasília Lúcio Big como colunista no site “Congresso em Foco”, toma-se conhecimento de um absurdo. Nas palavras do próprio Big “partiu justamente de um ficha suja”. O senador pelo PSDB da Paraíba, que já teve mandato de governador cassado, Cássio Cunha Lima.

A proposta do político transita entre a censura, a ineficiência jurídica, o agravamento velhaco de pena e a discriminação.

Eis a íntegra: “Alteração da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965. Art. 57-H. § 1º Constitui crime a contratação direta ou indireta de grupo de pessoas com a finalidade específica de emitir mensagens ou comentários na internet para ofender a honra ou denegrir a imagem de candidato, partido ou coligação, punível com detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). § 2º Igualmente incorrem em crime, punível com detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, com alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais), as pessoas contratadas na forma do § 1º.”

O furor de censura, algo próprio do pensamento conservador e reacionário, ligado às gestões da direita, está em que a proposta de alteração da lei despreza o que já existe no Código Penal. Sim, os crimes estão regularmente inseridos a partir do artigo 138. Fica claro que a tentativa de reforma nem quer carregar nos crimes contra a honra em si, que já existem, mas reafirmar uma libido censural coronelista. Um horror psicanalítico de controlar o outro, no caso o cidadão. Em uma palavra: criar o medo social por opinar.

A pessoa leiga que opinaria fortemente, criticamente, teria que estudar Direito ou se consultar com um advogado para saber se sua crítica invadiria seara criminal ou não. Ou seja, um nítido desestímulo ameaçador à palavra livre, à crítica ácida e nevrálgica, legítima contra corruptos oficiais apelidados de “autoridade”.

No tocante à ineficiência jurídica, a proposta é risível em razão de o que se concebe, no Direito, como agravamento de pena. Um modelo torpe e bem burrinho de se tentar resolver problemas sociais complexos, pela vala simplista da pena de prisão. Ou pior, por seu fantasma. Todo mundo sabe que ninguém vai preso por crime contra a honra. Foi assim nos últimos “1000 anos”. Então por que em pleno 2013 prever pena de detenção? Típico “fator intimidativo” para crimes então fantasmáticos. É a deficiência ou falta de estudo em autores sérios como Welzel, Roxin, Zaffaroni e outros.

Faltou assessoria jurídica de bom nível no caso. Sobrou ódio e vontade repressiva com a porcaria mental de criminalizar, agravar penas e sonhar com soluções por esta via efetivamente apodrecida: o “cadeísmo”, ameaçar com prisão.

Há mais. O ponto alto da proposta tonta é a discriminação. Repare que a alteração da lei menospreza toda a sociedade para focar somente em políticos: “candidato, partido ou coligação”. Exatamente quem mais a sociedade, plena de náusea, tem todo o direito de criticar, censurar, questionar e criar discussões e cobranças. E não se pense em anarquia ou negação de representação política. Nem se diga que pelo texto a crítica e censura “podem”, o que a reforma quer coibir seriam condutas criminosas.

Big diz que ouviu centenas de pessoas e todas concluíram se tratar de “maléfica e insana censura”. Demonstraram preocupação que “esta aberração legislativa se transforme em lei”. Não estão erradas.

Há outras bobagens na proposta. Criminaliza-se a “contratação”, ampliando-se a situação para a forma direta e a indireta. Só que a famigerada proposta não explica o que seja a forma indireta. Seria uma mera indicação? Ou seriam a “amizade” ou o “curtir” do Facebook?

Em tempos de redes sociais e amizades de mentirinha em que qualquer um tem mil “amigos”, reviver-se-ia um neomacarthismo on line. Filiados ou simpatizantes de um partido político, por exemplo, fiscalizariam e dedurariam quem entendessem ofender por críticas em redes sociais. Seria uma caça às bruxas por meras indicações de ativistas que se imaginasse tivessem sido contratados para “ofender a honra ou denegrir a imagem”. Nem seria uma efetiva esquizofrenia persecutória, mas o temor social que ela incutiria. Aí a perversidade da proposta.

Por fim, a célebre questão: é possível ofender a honra de quem se esforçou publicamente para ser um desonrado? Denegrir a imagem de quem roubou, quadrilhou e se lambuzou com o dinheiro público? Damásio de Jesus, no Código penal anotado, entende que sempre há nos desonrados “parte ainda não atingida por mácula”. Tudo bem. O problema é que em alguns não poucos, essa parta é microscópica.

É preocupante a horda jurídica conhecida como Direita Penal, em plena atividade. No Direito sempre foi um grupo de segunda. Sempre achou a Constituição de 1988 e seus diversos avanços sociais pautas de uma esquerda perigosa. Sempre viu os direitos humanos e as Declarações de Direitos Humanos mundiais, como idiotices. Daí, avançar sobre a crítica chamando-a de ofensa para estabelecer, pelo cadeísmo, pelo penitenciarismo, um padrão social de medo é um pulo.

Qualquer observador atento e paciente percebe, estudando História, que a Direita Penal e a repressão, sua pedra preciosa de horror, não construíram sociedades solidárias, fraternas, gentis e cultas. Do mesmo jeito que o Direito mundial não caminhou na direção dos “endurecimentos” jurídicos e penais. A não ser em países truculentos. O que não é e não pode ser o caso do Brasil. OBSERVATÓRIO GERAL.

[Artigo republicado no jornal O DIA SP – Jean Menezes de Aguiar]



Categorias:Direito e justiça

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