A eterna crise das prerrogativas do advogado

sobral pinto

Advogado Sobral Pinto (1893-1991)

 

A ditadura acabou, há décadas, mas não na cabeça de muitas ‘autoridades’. Implicâncias, perseguições e mesmo um espírito vingativo são percepções de não poucos advogados no dia a dia forense. O alvo não é tanto a cidadania em geral, mas a profissão mesmo.

 

Se a lei 4215/63 – Estatuto da OAB- incomodou durante todo regime militar, permitindo que advogados enfrentassem o Estado e seus órgãos domesticados à ditadura, sua sucessora, a lei 8906/94, mantendo os direitos dos advogados, continuou a representar incômodos intermináveis. Os questionamentos não param. Toda semana uma ou outra Comissão de Prerrogativa da OAB precisa enfrentar o poder. Não cessa.

 

Se é verdade que a sociedade brasileira é conservadora, no Direito o conservadorismo parece ser um mantra. Sobram formalismos, autoritarismos, pitis, ataques histéricos por desobediências, desacatos e outras maluquices patéticas inventadas por mentes vaidosas para dar mais importância ao aspecto, do que ao conteúdo. À forma, do que à lógica ou racionalidade dos atos e relações.

 

Neste mar de autoritarismo agora civil, paradoxalmente mantido numa sociedade pós-moderna em pleno 2014, cargos públicos continuam a exigir tratamento de excelencialidade. É a grande piada num país de corrupção interminável. Há uma demência coletiva normalizada. Todos acham que é assim mesmo e que deve ser. Mesmo sendo essa exigência manejada ‘contra a população’, a pagadora da conta. Sim, dinheiro. Faltam humildade e reconhecimento racional ao povo.

 

Considerados esses nacos de disfunção inteligencial, o Direito apenas sobrevive. Não consegue evoluir solto de amarras ultraconservadoras e sua ciência é constantemente solapada por metodologias rotas, reféns de vaidades e construções autoritárias. Isso não é somente no Brasil. Nalguns lugares juízes ainda usam aquela ridícula peruca branca de filme. Seria para aquecer o cérebro e produzir pensamentos mais racionais? Ou é pura idiotice mesmo?

 

A figura do advogado continua a ‘disparar’ ódio e sentimentos baixos em não poucos. Não adianta querer tapar o sol com peneiras. Grande parte da democracia foi obtida a duras penas por advogados. Isto é uma verdade histórica e incontestável, enquanto inúmeras profissões não fizeram absolutamente nada para quebrar o sistema ditatorial. Mas verdades parecem não servir para muita nos corações invejosos e odiosos.

 

A grandiosa OAB do Rio Grande do Sul se insurgiu contra o absurdo que é a famigerada revista física ao corpo do advogado para ingressar em prédios do poder público. A lei é clara ao expressar a inexistência de hierarquia ou subordinação entre advogados, juízes e promotores. Por que então ‘autoridades’ não cumprem a lei?

 

Certamente juízes e promotores não passam pela palhaçada de revista. Isto mesmo, palhaçada. Mas o advogado que, no ingresso ao prédio onde funciona o Poder Judiciário é legalmente diferente do povo em geral, sofre um constrangimento vingativo, baixo e premeditado. Não adianta a lei dizer que seu ingresso se dá ‘livremente’, independentemente de autorização, mesmo em salas de juízes, desembargadores e ministros.

 

Quem quer saber de lei?

 

Não se pode usar o simplismo demagógico, de dizer que ‘todos são iguais’. A igualdade substancial precisa ser estudada. É a lei que cria não privilégios, mas prerrogativas para juízes, advogados e promotores. Mas, de novo, quem quer saber da lei?

 

Advogados podem retirar autos de cartório. Aí o Judiciário criou a figura do estagiário. Um garoto aparentando 15 anos de idade, com cabelo tererê-moicano-Neymar, fone no ouvido tocando pancadão-cachorras enquanto atende no balcão do Poder Judiciário. Até aí, ‘tudo bem’. Aí o advogado precisa se ausentar por meia hora com os autos do processo para fazer cópias. Responda rápido: quem você acha que ‘poderá’ levar os autos à copiadora, o advogado do processo, plenamente identificado, ou o menino-pancadão?

 

Acertou quem cuspiu na lei e nas prerrogativas do advogado. Em muitos lugares aparecerá um funcionário e dirá: não doutor!!! O senhor não pode sair com os autos, mas o menino vai lhe acompanhar. A implicitude é: o menino para nós é confiável, o senhor, jamais! E a carteira de advogado (que tontos chamam de ‘carteirinha’) e todas as prerrogativas legais não valem nada. É uma zombaria forense completa. Formalistas se doem ou se irritam. Velhos transgressores gargalham.

 

A nova sociologia do poder público, todo ele, é de blindagem. Inclusive e principalmente contra a única profissão que pode representar um furo nessa couraça: a advocacia.

 

Quem esfrega o detector de metais num advogado ou numa advogada é um empregado/a terceirizado/a de uma empresa de segurança qualquer. Mas quem está exposto à crítica em não cumprir a lei, insistindo na esdrúxula revista, como se houvesse índices de atentados terroristas e mortes oriundos da profissão que, repita-se, é igualada a juízes e promotores, é o próprio poder público.

 

Não pare poder público! Continue a ser jactancioso, vaidoso, ilegal e arrogante com seus carros importados de luxo – padrão RJ-, mimos e festanças. Continue fazendo sentido. Seja o que você é e sempre foi. Qualquer historiador o sabe. Continue ‘esbofeteando’ advogados como o Senado Federal, apenas um exemplo, esbofeteia a população com seus obscenos planos de saúde e dentário.

 

Depois venha com essas palavras de efeito: ‘gestão’, ‘governança’, ‘qualidade’, ‘reengenharia’ e toda uma tralha espumosa de última moda que dura meia dúzia de anos, tudo em nome da mentira chamada ‘transparência’.

 

O seu problema, poder público, é que ainda há advogados geniais, que sabem usar sua arma maior: a caneta. E sua blindagem, em épocas de uma temida e democrática internet, se vê carcomida. OBSERVATÓRIO GERAL.



Categorias:Direito e justiça

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1 resposta

  1. E a “ditadura” continua!

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