Contratação de empregado ‘como’ PJ

[Atualização 2025]. O pensamento jurídico se torna razoavelmente hermético para leigos, não propositadamente, quando sua funcionalidade demanda conhecimento e manuseio de uma principiologia complexiva, e seu método de análise impõe a conjungação de vetores abertos. Precisamente aí, Chaïm Perelman, Ética e Direito, ensina o ‘engano do texto claro’, as ‘noções confusas’, a diferença entre validade formal e efetividade, o conceito de antinomia, a diferença entre ‘lacuna’ e ‘vazio’, e as ‘noções com conteúdo variável’. Pensar o Direito em termos de solução a uma questão exigirá mais conhecimento principiológico, como pano de fundo à norma, do que leitura literal.

Parte da sociedade ‘quer’ que certas relações sejam do jeito que sua leitura literal, bem literal da lei, ou da Constituição, lhe diz que é. Vaidosamente assim mesmo.

Nas relações de emprego, por exemplo, entrou na moda a coisa do ‘colaborador’. Sergio Pinto Martins ensina: ‘Se o trabalhador é colaborador, não tem subordinação, mas autonomia’, Direito do Trabalho, 35ª edição, 2020. Mas vá chamar alguém agora de ‘empregado’. Surgirá logo um olhar preconceituoso julgando a ‘ofensa’, que não é ofensa, está certo. Empregado é o correto.

Outra ‘moda’ (…) é a contratação de empregado como PJ – pessoa jurídica-. Muita atenção à palavra ‘como‘. Contratar pessoas jurídicas para determinada atividade, ou contatar com pessoas jurídicas para alguma situação não é fraude. Já contratar uma pessoa humana como PJ, aí sim, será ‘fraude’, ‘mero simulacro’ ou ‘artifício’, conforme jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho analisada no livro Curso de Direito do Trabalho, de Carlos Henrique Bezerra Leite, 13ª edição, 2021, p. 467.

A violação é ao artigo mais importante da CLT, o terceiro. Outra coisa é que este tipo de contratação fraude – contratar um humano como PJ, a chamada ‘pejotização’-, não guarda nenhuma relação epistemológica com o regular e legal instituto da ‘terceirização de atividade fim’, aceito na reforma da CLT em 2017.

Na eterna obra Comentários à CLT de Valentin Carrion, 45ª edição, 2021, p. 42, lê-se com todas as letras: ‘O direito social ampara apenas o trabalho humano pessoal. Os serviços prestados por pessoa jurídica não podem ser objeto de um contrato de trabalho.’

Muitos leem e não ‘aceitam’. Preferem a sua leitura obtusa da lei. Se não fosse o formidável caso de pejotização da TV Globo com 42 artistas famosos saindo na mídia, dê-se um Google e verá, chegando a processo criminal por sonegação e multa de R$ 10 milhões, muita gente continuaria a não ‘acreditar’. Livros, jurisprudências trabalhistas, nada disso vale para ‘teimosos’ e ‘orgulhosos’. Vale somente a crença de que contratar alguém como PJ ‘pode’.

A reforma da CLT de 2017 admitindo a terceirização de atividade fim e o chamado autônomo exclusivo, do artigo 442-B, ainda ‘piorou’ as coisas para os confusos que insistem em confundir conceitos.

Alguém que, por exemplo, ‘trabalha’ premido por alguma ilegalidade na contratação, tendo sido contratado ‘como PJ’, poderá discutir a contratação depois na Justiça do Trabalho. E repare, só o mero fato de ajuizar uma ação, independentemenbte de ganhar ou perder, já é um problema para o empregador.

Outra situação é na contratação ter havido mancomunação entre empresa e ‘trabalhador’, para se dissimular a contratação como PJ. Doutrinadores como Mateus Marinho Arão dos Santos, Angélica Jacob D’Amico e Jorge Gonzaga Mastumoto chegam a falar, até corretamente, em ‘culpa concorrente’, Código Civil, artigo 945, incluindo o próprio trabalhador no conluio. Parece assustador? Pois é, mas o Direito não afasta nem esta hipótese.

As relações jurídicas têm linhas divisórias, com lados bem nítidos. Ou se é empregado ou trabalhador de um lado; ou de um outro, bem oposto, é-se patrão, empresa, empregador, agenciador etc. Ou se é vítima por um lado; ou autor, coautor, partícipe no outro. Também igual na relação de consumo. Nem se queira aqui uma díade antagônica que segregue, como ensina Hegel. Ambos os lados aí andam juntos, e a complexidade é a relação jurídica que eles comporão.

Há excelentes e confiáveis artigos na internet sobre a contratação de alguém como PJ. Um deles é ‘Terceirização x Pejotização’ da advogada Gisele de Almeida Weitzel. Outro é ‘A Reforma Trabalhista Liberou Geral a Pejotização?’, de Marcelo Mascaro Nascimento.

Talvez no fundo de tudo isso esteja a crise do conhecimento, dos práticos (…), tentando acessar uma ciência cujo método não é cartesiano, ou simplório. Calculistas preocupados em apenas economizar para a empresa podem sugerir soluções mágicas, ‘fáceis’ e com algum ‘jeitinho’, como contratar empregados como PJ. Mas o Código Civil passou a impor um fator ‘raro’ na cultura brasileira, que torna nula qualquer situaçao jurídica: a boa-fé.

Por outro lado, o ‘famigerado’ art. 129 da Lei 11.196/2005 continua causando confusões em cabeças desavisadas. Há quem ignore a primeira oração do texto legal, ‘Para fins fiscais e previdenciários’, como também ignore a expressão episódica ‘quando por esta realizada’, relativamente às sociedades prestadoras de serviço. A primeira observação é que o tal artigo 129 tem finalidade específica a duas situações: fiscal e previdenciária; e a segunda é que diz respeito somente a sociedades prestadoras de serviço. Não à relação de emprego. Ou seja, o artigo 129 ou a Lei 11.196 não revogaram a CLT, vez que ambos tratam de coisas apenas diferentes, com possibilidades dicotômicas. Esta é a lição, dentre outros tantos, de Sérgio Pinto Martins (Direito do Trabalho). Toda relação de emprego continua exigindo pessoa natural (física), o que não é o caso do art. 129, que cuida, somente nas incidências fiscais e previdenciárias – não trabalhistas- das sociedades prestadoras de serviço, possibilidade jurídica plenamente aceita no ordenamento jurídico brasileiro, e, nada que ver com pejotização.   

O STF em decisão monocrática de Dias Toffoli, sem qualquer força de precedente, acatou, num determinado e específico caso concreto, uma exceção de alegação de contratação PJ, (reclamação 65.868), confrontando com a Justiça do Trabalho. Noutra decisão monocrática, relativamente a um trabalhador hipersuficiente (!) Alexandre de Moraes anulou auto de infração da Receita Federal que desconsiderou um caso de pejotização, por questões fiscais. Por fim, é importante que se registre, o Tema 725 do STF versa sobre terceirização, instituto que não se confunde com pejotização. Sistemicamente, ainda é nada para se dizer que a pejotização como instituto está reconhecida. Não está. Contratos entre empresas, com divisões de ordem vária de tarefas são naturalmente possíveis, mas contratar um empregado como PJ continua sendo esdruxularia jurídica.

Quem quiser arriscar o grande risco que arrisque. Mas advogados seniores dificilmente aconselharão a prática da pejotização como algo normal. Em hipótese alguma. Até que a doutrina trabalhista seja efetivamente desfeita, no tema, e a literatura especializada o aceite, a pejotização continua como fraude.

Jean Menezes de Aguiar.



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