
Que antropólogos não vejam o questionamento do título. Dirão, acertadamente, que é mera moeda ou troco cultural usado no mercado mundano das relações sociais. Abstraído este diagnóstico, a galera da filosofia questionará outras entranhas obscuras.
Para cabeças comuns não há a menor dúvida: dar ‘bom-dia’ milimetricamente até 12h e ‘boa-tarde’ jamais antes das 12:01h – sim, alguns neurotizados sociais e outros chatos em não errar o marco temporal do bom-dia vivem se desculpando: – não! já passou do meio dia, então é boa-tarde-, será a representação máxima de o que chamam ‘educação’. Mas será mesmo?
A chatice do bom-dia é o equivalente a tratar o planeta todo pós-40 por ‘senhor’ ou ‘senhora’, como aponta a estonteante e eternamente menina Andrea Beltrão que virou vítima da caretice punitiva (https://observatoriogeral.com/2022/07/19/parece-que-todos-combinam-de-comecar-a-te-chamar-de-senhora/), mas aí já é um estágio avançado.
Jô Soares dizia que não tratava ninguém por senhor ou senhora. Mas Jô é o que Ziraldo restringe a 5% dos brasileiros: geniais. O resto, cruz-credo.
Talvez uma das grandes raízes do problema esteja em o que se ‘deve’ entender por ‘educação’. Assim, um razoável conceito de educação jamais será essa desincumbência mental simplória, funcionalmente burocratista de soltar um impensado ‘bom-dia’ para qualquer um, como se libera prazerosamente um pum na impunidade da solidão, ou, no máximo da companhia dos cães.
A expressão bom-dia em muitas vezes é safadamente falsa e representa sabidamente nada, apenas uma obrigação impensada de se dirigir a qualquer um, inclusive a quem também prazerosamente não se tolera, mas se sorri. Há-os. Sabidamente sem o desejo de que o dia seja mesmo bom. E não se estranhe, Gonzaguinha, na sublime música Palavras, alfinetou ‘Cantar nunca foi só de alegria, Com tempo ruim, Todo mundo também dá bom-dia!’
No contexto formalista e conservador, dos chatos & patrulhadores, não adianta ser carinhoso, amável e cortês, ou simpático e gentil. Perca as esperanças. Se não proferir a praga do bom-dia será automaticamente considerado rude, mal educado. Ou seja, o bom-dia nesses casos não será uma relação de educação, mas de cobrança, patrulhamento e egoísmo, isto mesmo: a ‘minha’ educação – ou o que o sujeito supuser que seja educação-, exige, e não abre mão, que o interlocutor profira o bom-dia, sob pena de ser condenado à masmorra da mal-educação.
Este chinfrim artigo sabe da ‘proibição’ social – e do risco!- de se questionar o bom-dia. Sim, irrefletidos e incapazes no assunto se apressam para dizer que é questão cultural, fechando o diálogo com este dogma-pedregulho fácil. Como se ser questão cultural tivesse obrigatoriamente que ser algo inteligente, ou pior, ininquestionável. Tolinhos.
Uma conclusão que se pode chegar é que dar o tal do bom-dia pode ser, entre cabeças ‘pessoas-de-bem’ – o filósofo Marco Casanova no livro A Persistência da Burrice analisa esta turma-, um início de educação. Ok, sem problema. Não apenas porque custa muito pouco proferir a expressão no início de toda e qualquer conversa. Mais ou menos como um vício cultural incurável. O problema começa quando o bom-dia passa a ser patrulhado, quase exigido em concursos públicos como sintoma de educação.
Educação seria um bem-querer, um olhar gentil e amistal. Um desejo de fraternidade e mesmo amor ao outro, não a fraternidade-pix, por exemplo, de igrejas e seus gestores ricaços e malandros na TV. Educação também não será a nova patifaria deste junho/2023 dos rótulos dos pães de forma vendendo ‘100%’ qualquer enganação para iludir despercebidos. Com certeza, todos esses felizes empresários dão bom-dia.
Mas experimente se derreter, verdadeiramente, em gentileza e atenção numa próxima vez que encontrar alguém, em vez de dar o carcomido bom-dia. E observe, se o interlocutor ficará encantado, ou lhe preferirá a praga, como telemarquetingueiros telefônicos sempre lhe ‘dão’, o bom-dia, antes de lhe tentar enredar num logro comercial.
O problema não é o bom-dia, mas o conceito de Educação. É ela, esta deusa suprema e maravilhosa que não pode ser rebaixada a um dar ou não bom-dia, como niveladora reducionista e patética de alguém ser ou não educado porque falou ou não falou, deu ou não deu o troço do bom dia. Nem se diga do bom-dia Whatsappeado, parece que aí já virou tabu. Já em textos ou e-mails coletivos, alguns autores por medo de serem tachados de mal-educados, advertem: ‘bom dia, boa tarde, boa noite’, certamente para não se ver inseridos na pecha maldita. Com esta sofrência, poderiam dar boa-madrugada.
Há (será que há?) que se resgatar um conceito ‘verdadeiro’ de Educação nas pessoas e no mundo, em não golpes, não engodos, mas também em não mentiras, ainda que suaves e de ‘bom-tom’ entre as ‘pessoas-de-bem’ coisa muito mais complexa e maravilhosamente social. Mesmo que doando-se, de quebra, a porcaria do bom-dia.
Jean Menezes de Aguiar.
Categorias:Cidadania online

Arma desmuniciada, a norma burra e outras delícias
Advogado, juiz e promotor – a tríade judicial
Meu pai comprou um imóvel em meu nome, de presente, quando ele morrer tenho que fazer colação?
O correntista magnitskyzado pela lei magnitsky e o bicho papão