
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, está contribuindo para a verdade, ao expor entranhas de o que parte significativa daquela sociedade é, continua a ser e pensa. Nada muito diferente, pelo menos neste quesito, de qualquer país que elege seus governantes.
Há brasileiros nacionalisticamente meio ‘confusos’ que se doem quando se fala de Israel. O fato é que países são meros pedaços geográficos no globo, que, por mais que um turista goste ou não, não deveria gerar sofreguidões e lamúrias. Mas, cada um com seu cada um.
Israel sempre quis ser diferente de praticamente todas as democracias ‘comuns’. E conseguiu. Só que escolheu a via do atraso, pela opção estatal de religião oficial, ranço de administração totalmente contrário a qualquer democracia civilizada. Assim, criou cidadania especial; casamentos diferentes; justiça privé; acessos discriminados a universidades, tudo guiado exclusivamente pela religião. Curioso é que muitos que gostam do país, não têm a menor ideia desses velhos preconceitos.
O cenário que interessa aqui é o democrático. Com a coisa da religião oficial, que efetivamente exclui, discrimina e inferioriza quem não é da religião oficial, Israel não esconde sua face sabidamente autoritária. Igual a outros tantos países, tem cismas, preconceitos e violências oficiais, saídos do Estado, em escancarada violação ao princípio universal da dignidade da pessoa humana.
Para um estudo aprofundado, Shlomo Sand, professor de História da Universidade de Tel Aviv. Relata, o intelectual, em seus livros, que Israel proíbe aproximadamente 5% da sua própria população, nascida em Israel, de entrar na universidade porque não adota a ‘religião oficial’. Conta também que o país não permite que pessoas se casem ou se divorciem se não rezarem pelo mesmo deus oficial. Mostra, o historiador, que nem a corte suprema de lá reconhece aos cidadãos nascidos em Israel a cidadania ‘israelense’, em vez disso tem que carimbar na carteira de identidade da pessoa a religião oficial, ou escrito ‘outra’. Isso mesmo. ‘Não existe nacionalidade ou cidadania israelense’, foi o que a corte suprema respondeu numa ação judicial de um nascido em Israel que tentou se registrar como ‘israelense’. Que ousadia, que transgressão, querer ‘ser’ israelense. Isso não existe.
Agora, esse Benjamin-again-Netanyahu, eleitíssimo pelo povo, um sucesso. Exercerá nada mais nada menos que seu sexto mandato, numa coligação, sabidamente, da extrema direita. Olha ela aí. Quando Benjamin resolveu criar um poder central, meio a la Fidel Castro, passando por cima das decisões finais do Poder Judiciário, houve até alguma manifestação por lá. É interessante como algumas pessoas se ‘surpreendem’ com quem elas próprias elegem.
O espetacular campeão de ginástica de Israel, Artem Dolgopyat, verdadeiro herói que representou o país e venceu a Olimpíada, não pode se casar porque é considerado juridicamente ‘outro’. Em sua carteira de identidade não está escrito o nome da religião oficial. Por isso, como os tribunais de família são religiosos, ele simplesmente não pode se casar. E ponto final.
Fatos podem desagradar quando vêm a público, ou quando se esforça para mantê-los escondidos e em segredo, mas costumam não mentir.
Certamente haverá – sempre há- quem diga que ‘não é bem assim’. Ou aquele outro que diante de um Hitler pós-moderno, sentencia sério: ‘é, ele fala algumas bobagens’. Grande reconhecimento. Os eufemismos, ou as calhordices suavizantes, foram inventados para ser usados. Assim, mãos à obra à hipocrisia.
Governos e sociedades atrelados à extrema direita e a fundamentalismos religiosos nunca enganaram historiadores e pesquisadores. Não surpreendem mesmo, afinal a cartilha é universal. Norberto Bobbio na despretensiosa obra Direita e Esquerda elucida os ‘segredos’. Preconceito, discriminação, ódios aos ‘outros’ sempre compuseram o menu. E explicações são as mais diversas e criativas. De deuses a culturas dinossáuricas querendo justificar atrocidades sociais atualíssimas em pleno século 21. Bem-vindo ao atraso.
Alguns países que tem shoppings belíssimos e riquíssimos – e apenas por isso impressionam tantos impressionáveis-, continuam a ter sistemas sociais trevosos. Em muitos deles, o Iluminismo e a dignidade da pessoa humana como valor universal de toda e qualquer democracia não chegaram.
Israel? ‘Viva’ Netanyahu e seu sexto mandato.
Categorias:Cidadania online