
Para assuntos esquisitos – ou serão ‘deliciosos’?-, um texto não dolosamente amigável. Mas também, sabemos que a gentileza dificilmente triunfará.
A frase do título é da intelectualmente tesuda Andrea Beltrão que reclama do complô social, filosoficamente grosseiro e próprio dos rudes, de as pessoas começarem a tratar os mais velhos por senhor/senhora, num automatismo irrefletido, credulizado como ‘educação’. Equivale, verdadeiramente, a um burocratismo de trejeitos e modos culturais, de supor que tratar alguém por ‘você’ seria a cafonice do ‘desrespeito’. Porém, antes disto, há aí um moralismo de lacuna, conveniente e safádico, pronto para ser preenchido por uma comodidade nada gentil para com o Outro, cujo implemento pode atender mais ao prazer egoísta da própria pessoa em falar ‘senhor’, do que de a quem se dirige e dialoga.
Quando alguém trata o outro por senhor/senhora pode não estar preocupado, em nada, com o interlocutor. Golpistas de telemarketing tratam, diariamente, todo mundo & qualquer um por senhor/senhora e jamais deixam de tentar empurrar produtos e serviços estelionatais. Pode também não haver, com este burocrático senhor/senhora nenhuma preocupação com entrega adorável de gentileza, mas preenchimento interesseiro de uma educação plástica que só agradará a formalistas deslumbrados. Pode ainda, o tal tratamento, ser um burocratismo cultural, mas egocêntrico, supondo que, com a praga do senhor/senhora estar-se-ia obtendo o vaidoso reconhecimento de ‘educado’, por se cumprir a cartilha social discutidíssima de uma educação tamanho único & genérica que jamais considera o interlocutor pela gentileza de buscar saber o que lhe agrada, o que lhe daria prazer, mas em vez disso, buscando manter distância pessoal e não permitir intimidades, com a coisa do senhor/senhora.
Ao contrário de mentes libertas, anárquicas, criativas e voláteis, as primárias, ou de ovelha, sempre foram mansas e previsíveis, ou ordeiras e autoritárias, e invariavelmente não produziram poesias, belezas ou genialidades para a humanidade. Há quem queira proibir realismos comparatistas assim, mas, como se diz bem popularmente, as pessoas são diferentes, não é verdade?
O fato é que algumas cenas de primatas não humanos, mais propriamente os chimpanzés, são mais inteligencialmente alvissareiras que a de muita gente por aí que parece não se interessar pela própria possibilidade neuronal, sináptica, cognitiva. A atualidade brasileira parece ter chegado ao máximo em adesão do ódio à inteligência por estúpidos relativizando vacinas; Terra plana e outros exemplos da infinitude da tolice humana.
Há tempos, um sofrida criatura de 40 anos – presumidamente já imune às travas moralistas adolescenciais-, todo tatuado – ‘descolado’?-, que ao ser formalmente liberado por um desgarrado mundano qualquer de 60, de tratá-lo como ‘senhor’, respondeu penitencialmente: – ‘eu não consigo!’ Realmente, travas mentais, ou terrorismos educacionais a que alguém foi submetido numa infância autoritarizada – a ponto de não conseguir uma microliberdade dessas-, devem ser respeitados. Ou, se se supuser uma endogenia da dificuldade com obtenções de liberdades ou clivagens de proibições impensadas que maltratam uma vida humana, no sentido de impedimentos; igualmente, têm que ser gentilmente compreendidos.
Andrea não reclama à toa, ainda mais por ser geneticamente artista e supor – mesmo numa sociedade sul-americana, conservadora, mas sabidamente preconceituosa como a brasileira- que estaria naturalmente imune, por toda a vida, a um tratamento meio esquisito – e disformemente careta- coisas como um dona Anitta, um dona Ivete Sangalo, ou um dona Xuxa. Mas ela própria, com seu eterno olhar raro de garota de quem sempre possuiu sabedoria carioca, percebe facilmente que as pessoas são ‘diferentes’, inclusive nos egoísmos e buscas por validações e reconhecimentos sociais.
É claro que não se desconhece, com os antropólogos, o poder da ‘cultura’ em alguém, como impositivo de modos e hábitos. Está-se vendo que, nalguns casos, ele achata, irrefletiza e domestica, ainda que um filósofo, pudesse contraditar que o pensamento sempre esteve autorizado a reagir. Mas os próprios filósofos sabem que isso não é para muitos, só para as Andreas.
Neste filosofismo de boteco carioca – por todos o Caranguejo, em Copacabana-, talvez tratar o Outro por senhor/senhora realmente dê algum prazer, ou mantenha empregos em sistemas paraidiotizados, e nunca mais gentis. Presenciei uma aeromoça, agora renomeada empoladamente de comissária de bordo, perguntando a um garoto de 15 anos: o senhor aceita água?, a que o garoto virou-se para a mãe, depois e em segredo, surpreso e rindo, e contou que tinha sido tratado por ‘senhor’. E veja que na inocência da própria infância já se percebe a inoculação etária de que a criança não pode ser senhor, mas o idoso não tem como não sê-lo, sob pena duma violação secular.
Talvez o problema não sejam nem as imposições, mas as fronteiras classificatórias, historicamente preconceituosas em manter os daqui aqui, e os de acolá lá longe, pode ser na senzala.
Uma sociedade esteticamente preocupada com dísticos icônicos de uma pós-modernidade reinventada para atender a pequenas-ondas de modismos e outras futilidades apenas estéticas ou nominais como empoderamentos da mulher e igualdade de gêneros, dentre tantas, conteúdos, sabedorias, lógicas, inteligências e verdades serão sempre secundários, o que importará será um politicamente correto patrulhador, em preconceito customizado para cancelamentos e aniquilações do melhor amigo até ontem.
Andrea sorri complacente, muito mais por dentro, com a bobagem do senhor/senhora. É o que resta à Bela. E à própria filosofia.
Jean Menezes de Aguiar
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