(foto-OG). O Estado e a sociedade num confronto sugestivo e didático. O jornalista que foi processado pelo desembargador por escrever uma crônica ficcional em primeira pessoa. Causas e meandros do conservadorismo versus as reações das ruas. A imprensa cerceada. Uma visão do nosso futuro. Confira no OG.
Artigo publicado nos jornais O Dia SP e O Anápolis, GO, semana de 24.7.13
Ação e Reação
O Brasil vive há muitas décadas uma organização quietada, um tanto quanto à força. Há, por um lado, um Estado sabidamente corrupto, preocupado só com os seus interesses, ou os interesses dos seus. Há, por outro lado, uma sociedade pacata. Culturalmente calada, pela própria colonização e também por movimentos ditatoriais ao longo do caminho que ajudaram a sedimentar o medo de “se envolver”, reclamar e exigir.
Com esta organização social de convivência não barulhenta, o Estado sempre fez o que quis. Para os seus felizardos. Salários, jetons, auxílios, vitaliciedades, licenças, férias múltiplas, prêmios, recessos, automóveis, aposentadorias antecipadas, palácios etc. O político brasileiro, por exemplo, é o mais caro do mundo. O minuto trabalhado do Congresso custa 11 mil reais.
Já a sociedade foi se ajeitando como pôde. Trabalho duro, criatividade, inventiva, inteligência e arte. Para alguns, espertezas desonestas. Para outros muitos, virações informais. Para todos, apenas osonho da boa educação, boa saúde, boa alimentação, boa moradia públicas etc.
Todo esse sistema perverso com o uso do dinheiro público guardava uma “ordem”: a sociedade não reagia. A mesma sociedade que sempre acreditou, iludida, na ideia econômica cínica de que o bolo não dava para dividir para todos.
Aí vieram a necessidade de publicidade dos atos imposta pela Constituição de 1988; a imprensa livre; a revolução tecnológica com a internet e redes sociais; e os sucessivos governos vendo-se obrigados a mostrar os números bilionários e agora trilionários em reais de sua despesa. O que era “apenas” corrupção virou desacato social. O caldo começou a transbordar. A velha ordem desandou.
Afrontada a sociedade, com décadas de garrote, vieram as manifestações das ruas. O inusitado Junho de 2013. O povo tomou avenidas e mostrou seu poder ao Estado. As “autoridades” num primeiro momento se viram atônitas. Ministros e gestores públicos conservadores, do alto de suas torres inatingiveis, com baixa sensibilidade social simplesmente “não entenderam”. O governador de São Paulo, por exemplo, disparou que os manifestantes eram “baderneiros”. O ministro Gilberto Carvalho disse que “a culpa era da imprensa”. Alguém deve ter freado a sanha autoritária nos homens públicos e advertido: “- excelência, não pode falar assim, vai dar problema!”. O restante parece que se mordeu e calou.
Imaginam-se figuras ilustres oficiais questionando entre si: “- mas como é possível? Nós sempre roubamos e falsificamos em licitações, obras públicas, nepotismos, salários absurdos e garantias de marajás e sempre saiu na imprensa, há décadas, e nunca se viu isso nas ruas?!” Pois é, o bicho começou a pegar.
Certamente “as ruas” trarão consequências. Reações conservadoras e autoritárias. A imprensa que já vinha sendo patrulhada há tempos por uma censura traveca de legalidade, enfrenta situação agudizada. O Estado revogou a Lei de Imprensa, 5.250/67, pela acusação figadal de jornalistas de que era uma lei ditatorial. Tudo bem. Mas isso pode ter sido um tiro no pé. Não havendo lei balizadora, não há parâmetro para o que em direito se chama de “discricionariedade do juiz”, podendo a tal discricionariedade ser multiplicar por mil. É o que se começa a ver. Vide Paulo Henrique Amorim e blogueiros acionados na justiça por “autoridades”.
Com a imprensa livre, as “autoridades” estão sujeitas a incômodos e flagrantes. Basta observar, por exemplo, o que vem se sabendo de Joaquim Barbosa. É natural que ele não esteja nem meio por cento “feliz” com a vida exposta. Idem com Sérgio Cabral, governador do Rio de Janeiro que num surto de autoritarismo criou a estranha Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas – CEIV, (que é isso Sérgio?), com a sinistra missão de pedir informações às empresas de telefonia. Mais, por “decreto”.
Parece que a pérola maior vem de Sergipe. O jornalista José Cristian Góes foi condenado pelo crime de injúria contra o desembargador Edson Ulisses de Melo, cunhado do governador Marcelo Déda, do PT. A causa: uma crônica ficcional em primeira pessoa intitulada “Eu, o Coronel em mim”. Góes, no texto, afirma: “Ô povo ignorante! Dia desses fui contrariado porque alguns fizeram greve e invadiram uma parte da cozinha de uma das Casas Grande. Dizem que greve faz parte da democracia e eu teria que aceitar. Aceitar coisa nenhuma. Chamei um jagunço das leis, não por coincidência marido de minha irmã, e dei um pé na bunda desse povo.”
Pelo trecho citado, o magistrado se sentiu ofendido e “venceu” o jornalista na justiça. O caso nos remete diretamente à censura militar. Algo como o general Antonio Bandeira que saiu da 3a Brigada de Infantaria para a diretoria da polícia federal, na década de 1970, tornando-se o perseguidor das músicas do gênio Chico Buarque. Sobre a condenação do jornalista, a ONG internacional Repórteres Sem Fronteiras, dizendo-se incrédula e consternada com a notícia, classificou a decisão de “insanidade judicial que insulta os princípios básicos da Constituição democrática de 1988” (fonte: Abraji).
Ou o Estado e suas “autoridades” se “modernizam” e aceitam as novas realidades, ou os entrechoques serão gigantescos. Já começaram a ser. As redes sociais não “pertencem” aos velhos, mas aos “jovens”. As ruas também. E este não é um problema etário. O poder do povo já se viu como é: tsunamial, e até que enfim ele acordou. Não adiantam autoritarismos, conservadorismos, reacionarismos contra a vontade popular. Nem teorias ou ciências laboradas em gabinetes.
Dizer que o Brasil será velho daqui a 20 anos importa em duas coisas. Primeira, que o Estado deve cuidar, sim, muito bem de seus idosos. Com os bilhões de reais que arrecada. Segundo, ao mesmo tempo que, com as redes sociais deu-se uma jovenização nas relações, o Estado deve ouvir muito bem essa massa das redes, tenha que idade tiver, para se ver legitimado perante a sociedade. Cada vez mais faniquitos autoritários, chiliques conservadores, sejam da direita ou da esquerda, mas contrários à vontade popular, terão a repulsa social difundida em redes multiplicadoras. O Brasil não era o país do futuro? Parece que futuro começou em Junho de 2012. Jean Menezes de Aguiar.
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