Advocacia e jornalismo – eternos perseguidos

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Quanto maior a força ou autoridade de quem está interessado em ocultar um fato, mais noticioso ele se torna. Sob este princípio o jornalismo é perseguido. Já a advocacia desperta igualmente suas repulsas. Confira OG.

Advocacia e jornalismo – eternos perseguidos

Historiadores e sociólogos são perfeitos para uma conversa que envolva análises temporais. Aprende-se com eles que no curso do tempo certas “categorias” foram perseguidas. Por motivos diversos. Algumas continuam a ser. Como o Brasil do século 20 é todo pontilhado por democracias e ditaduras e as coisas se repetem, falar de perseguidos é falar da própria história.

Perseguições podem ter conceitos diferentes. Na democracia a perseguição pode ser mais suave ou farisaica, ligada ao patrulhamento, à discriminação, ao preconceito. Já nas ditaduras as perseguições são tenebrosas, assassinas. Aqui apenas duas categorias: o advogado e o jornalista. E suas atividades: a defesa do réu, e a circulação da notícia. Aí podem estar bons exemplos de perseguições “caninas”, viscerais.

Esta semana circulou na imprensa uma foto que fará história. O advogado carioca José Carlos Tórtima encarando seu torturador numa sessão da Comissão da Verdade. Cresci vendo este ícone da advocacia nos corredores do fórum carioca e sempre o admirei calado. Se sua prisão em 1970 foi por atuação como estudante de direito, depois de formado ele certamente ficou “pior”, o que quer dizer melhor, muito melhor.

A “defesa” já foi nobre no mundo jurídico brasileiro. Com o advento do consumismo e sua amásia, a futilidade social, a defesa passou a ser patrulhada. Advogados passaram até a ser agredidos como vilães. Sinal dos tempos. Causídicos, principalmente criminalistas, não se “magoam” facilmente. Mas o pior é assistir à burra perseguição que passou a ser feita contra a atividade democrática da “defesa”.

Cheguei a pegar o final da chamada OAB “trincheira”. Jovens advogados diziam que em caso de perseguição física, pela repressão, correriam para dentro da OAB como se lá fosse um bunker. Registre-se que a OAB do Rio de Janeiro teve uma bomba explodida, endereçada ao presidente Seabra Fagundes, vitimando sua secretária, Lyda Monteiro da Silva. A mesa que Lyda usava foi colocada em uma redoma de vidro e se tornou um monumento à resistência da OAB.

Advogados já tiveram o apelido de “alívio”, na gíria prisional do meio do século passado. Quando chegava o advogado na prisão os presos ou os policiais diziam para o detento: – chegou o seu alívio. Atualmente o cenário é um pouco diferente. Particularmente percebo uma grande degeneração em algumas relações. O serviço público, na sua generalidade, era respeitoso e digno, não autoritariamente burocrático e formalista como é hoje. O advogado era, não somente nos discursos de formatura, um agente social completamente importantizado.

Nos novos tempos a massificação se encarregou de destruir ícones. Hoje veem-se mais advogados milionários, mas talvez isso não queira dizer uma mais orgânica preocupação com a defesa da justiça, da cidadania, dos menos favorecidos. Também por isso, a advocacia atraiu olhares de desconfiança. Em certos julgamentos de júri, o advogado precisa sair escoltado. Já o promotor costuma ser endeusado. A sociedade se tornou vingativa, justiceira, acusativa e punitiva.

A chamada direita penal, o penitenciarismo, o cadeísmo e outras vertentes conservadoras que lutam pelo agravamento das penas e por mais prisões, vêm conseguindo transformar a advocacia em vilã. Grande parcela da sociedade vê assim. Mas quem perde é a democracia e a cidadania. Uma sociedade não deveria se identificar com a acusação, com a punição, com a penitenciária. Melhor seria que a sociedade se identificasse com a defesa, o perdão, a gentileza e o amor.

A outra atividade perseguida é a de Tim Lopes, o jornalismo. O “Plano da ONU para segurança de jornalistas”, na introdução lê-se: “Cada jornalista morto ou neutralizado pelo terror é um observador a menos da condição humana. Cada ataque distorce a realidade por criar um clima de medo e de autocensura”. É, a ONU possui um detalhado plano para segurança de jornalistas. Se advogados pararam de ser perseguidos fisicamente na democracia brasileira, jornalistas continuam a ser mortos no mundo todo.

A imprensa comete falhas, algumas enormes, principalmente na época da pressa digital em que tudo é desesperadoramente urgente. Mas realiza suas catarses e conta com uma avaliação mercadológica e de interesse do leitor e usuário.

No “Novo manual da redação”, 2a ed., 1993, p. 13, do jornal Folha de São Paulo, lê-se que notícias e ideias são “mercadorias a serem tratadas com rigor técnico.” Já na p. 19 consta “Não existe objetividade em jornalismo”. Na p. 27, sobre a relevância de um fato ser publicado o Manual revela que “quanto maior a força de quem está interessado em ocultá-lo” mais noticioso ele é. Ou seja, a imprensa incomoda sistemas e estruturas. Para quem não quer a publicação ela “desrespeita” e expõe. Por isso tanta perseguição e tentativa de controle.

Há certa assimetria no Brasil. Sua democracia ainda é razoavelmente fraca, com feudos ideológicos, currais eleitorais e continuísmos políticos velhacos. Mas sua imprensa adotou modelos do chamado primeiro mundo, com manchetes afiadas, necessárias à superexposição, e desafio constante. Sem qualquer ode à teoria da conspiração, dir-se-ia que o entrechoque poderia não acabar bem. Por outro lado, o Estado brasileiro tão generalizadamente corrupto em todos os Poderes foi forçado a aceitar a demanda das redes sociais que se alimentam de uma imprensa efetivamente livre.

Aí pode estar um sistema retroalimentador muito interessante. Redes sociais, protestos das ruas e imprensa livre. Os três fatores com narrativas e demandas distintas. Se a sociedade não “produziu” uma gentileza ética para vencer o Estado corrupto, a soma desses três fatores pode ser decisiva para um outro Brasil. E os agentes “perseguidos”, esses aqui e tantos outros, podem inverter o jogo com o apoio da sociedade lúcida e atuante. OBSERVATÓRIO GERAL.

[Artigo republicado nos jornais O DIA SP e O ANÁPOLIS, GO – Jean Menezes de Aguiar]



Categorias:Direito e justiça

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