Surto de censura à imprensa

jornalismoUma onda de conservadorismo parece assolar parte do Poder Judiciário. Mas também a sociedade. Utilizando a mesma técnica da antiga Lei de Imprensa, 5.250, veem-se decisões liminares disfarçadas de combate a crimes de calúnia, injúria e difamação. Quem vai ser a favor da existência de um “crime”? O crime é um risco, um perigo para a sociedade, uma conduta que não se quer ver existindo. Quando se pensa em crimes de sangue, por exemplo, não há dúvida de que seja assim.

O problema é que o chamado “crime de opinião” é relativo. Aliás, muito relativo. O advogado, por exemplo, não responde por crimes de injúria e difamação no exercício da profissão. Tem, segundo Damásio de Jesus, a mesma imunidade do parlamentar. O Código Penal, artigo 142, chega a isentar o advogado da “ofensa” praticada em juízo na discussão da causa.

O mesmo artigo 142, no inciso II garante não ser injúria ou difamação punível “a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar”. Além de o que já há na Constituição da República, a favor do jornalista e da liberdade de imprensa, vê-se um fundamento jurídico para exclusão de punibilidade: opinião desfavorável.

A ONG Repórter Brasil é a nova vítima da censura judicial no país. Segundo a ABRAJI, Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, em nota de 1o.out.2013, “Desde essa segunda-feira (30.set.2013) o site da organização está proibido de veicular qualquer informação que associe o nome da madeireira Pinuscam à exploração de mão de obra análoga à escravidão.”

Pouco importa que a informação seja absolutamente verdadeira. Conforme a ABRAJI “A censura foi determinada pelo juiz titular da 43ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Miguel Ferrari Júnior. A multa em caso de descumprimento é de R$ 2 mil por dia.”

O Ministério do Trabalho e Emprego e o Ministério Público flagraram 15 trabalhadores em condições análogas à escravidão na Pinuscam. Mesmo com este suporte fático, o problema parece ser “a notícia”.

A diferença entre “censura” e decisão liminar a respeito dos crimes de calúnia, injúria e difamação não é  difícil. Censura-se, em regra, por meio de decisão liminar, para impedir uma publicação, notícia, informação, matéria jornalística ou outra qualquer que “saiu”, e então será recolhida; ou uma que está “prestes a sair”, e será proibida de circular. O fundamento desta decisão costuma ser a violação à intimidade, à vida privada, o dano moral e o dano à imagem princípios constitucionais e por isso mesmo “normas abertas” que admitem largos “preenchimentos” pelo juiz.

Já a decisão acerca dos crimes de injúria, calúnia e difamação, guarda uma estreitíssima correlação com o que se chama “tipo penal”, norma fechada, milimétrica e precisa. Ou seja, a casuística de o que é o crime em si, sem possibilidade de confusão conceitual ou “jeitinho”. Aí se considera a conduta particularizada do agente, no caso a frase ou palavra ofensiva, que deverá ser “subsumida” perfeitamente à lei. Se não o for, não há crime.

O exemplo típico, e absurdo e ilegítimo, de censura à imprensa é a proibição “prévia” de circulação ou publicação de uma matéria ou assunto. Se a proibição é a uma frase “existente”, no presente, pode ter havido, teoricamente, com a frase,  crime de calúnia, injúria ou difamação. Mas como se justifica a proibição ou cerceamento a uma publicação que ainda não existe? Que ainda vai “sair”? O juiz não tem como adivinhar que um crime “será” cometido.

imprensa 2Proibir um “tema” de circular, no futuro, é a mais nítida forma de censura. Exemplo, o famoso caso Estadão x filho de José Sarney, há inacreditáveis 4 anos, em que se proíbe um “assunto”, um “tema”. O que tem havido ao longo da atual história constitucional é sempre o mesmo. Alguns juízes de primeiro grau ainda se veem atrelados a um modelo autoritário de atuação. Concedem liminares impedindo circulação de jornal ou matéria na imprensa e, somente quando a discussão alcança o Superior Tribunal de Justiça ou, o Supremo Tribunal Federal, é que o assunto é “liberado”.

Por que é assim? Entra em cena aí, interessante sociologia do chamado crime de imprensa ou sociologia do controle ao crime de imprensa. Os juízes de primeiro e mesmo de segundo grau, estes os desembargadores, quando proíbem uma circulação de jornal, por exemplo, têm sua atuação restrita ao estado da federação. À localidade. Há uma violação aí, mas também restrita.

Ocorre que quando a discussão chega a Brasília, qualquer decisão das cortes superiores repercutirá por todo o país. Quiçá internacionalmente. Seria um rombo para o país uma decisão que proibisse a imprensa. Por isso, sempre em todos os casos, o Supremo “libera”. Mas até essa tal “sociologia” vem sendo reorganizada. Aí a preocupação. Tribunais de Justiça, nos estados, têm proibido, constantemente, jornais e notícias. Uma perseguição ácida. Repare-se que não se apuram os crimes de calúnia, injúria e difamação, que seriam a via restrita e técnica. Opta-se pela censura, pelo cerceamento jornalístico. No seco, na raiz.

Em Recife, o jornalista Ricardo Antunes acusado de extorquir o marqueteiro e cientista político Antônio Lavareda teve simplesmente seu blog, instrumento de trabalho, proibido por ordem judicial do tribunal. No início de setembro/2013, a Gazeta do Povo, do Paraná, foi a impedida. Há o “eterno” caso Estadão x filho de José Sarney, de 2009 a 2013. O jornal é simplesmente impedido de noticiar uma investigação que deveria ser sigilosa, mas por “desorganização” de agentes do Estado as informações “vazam”. Aí, em vez de se apurar internamente o vazamento, cerceia-se a imprensa.

A censura, a intimidação e o cerceamento da imprensa não são, efetivamente, o que a Constituição Cidadã, de 1988 quer. Esta verdade jurídica orna as cabeças do Supremo Tribunal Federal. Mas num país do tamanho do Brasil, ficou claro que apenas o STF é muito pouco. A notícia e a informação são direitos fundamentais ligados à cidadania e o jornalista é o instrumento destes direitos. OBSERVATÓRIO GERAL.

[Artigo republicado nos jornais O DIA SP e O ANÁPOLIS, GO – Jean Menezes de Aguiar]



Categorias:Direito e justiça

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