A maior parte da imprensa brasileira trabalhou, francamente, no sentido da condenação dos réus da ação penal 470, o chamado Mensalão. A outra parte noticiou que o Supremo Tribunal Federal capitulou: condenou por pressões. O fato é que ficaram grandes dúvidas sobre a condenação. Algumas muito incômodas, porque técnicas e restritas à comunidade jurídica.
O processo penal busca o que se chama “verdade real”. Ou seja, o que efetivamente se deu no mundo fático, dos acontecimentos. Já o processo civil aceita a verdade formal, as presunções. Assim, o juiz penal não pode condenar alguém apenas por presunção; por “achar” que o crime houve. Por isso, a todo e qualquer acusado se dão todas as chances de se defender, ser ouvido, recorrer etc. Há quem não goste disso, mas aí já é preconceito. O preço que o réu pagará, se for condenado, é a sua liberdade pessoal.
O que chamou a atenção de não poucos juristas, no processo do Mensalão, foi a falta de certeza “objetiva” (provas claras) da prática criminosa em relação a alguns acusados. Com esta falta de certeza não se pode mandar ninguém para a cadeia. Este princípio é universal e vale para todas as legislações. Não se pode imaginar que uma corte suprema de um país possa sequer arranhar esta conquista jurídica. Isto seria um processo político que desmoralizaria qualquer tribunal.
As quase cinco horas de sustentação oral do ex-procurador geral da república Gurgel no processo foram cheias de afirmações categóricas, afirmações incisivas e afirmações formais contra os réus. Mas afirmações. Tentavam ligar fatos às suas afirmações. Tentavam. A retórica de uma sustentação nunca foi suficiente para imprimir verdade real à acusação que baste para uma condenação. Se os fatos não estiverem claramente demonstrados por provas, palavras e discurso não podem servir para condenar.
A mera possibilidade de parcela séria da comunidade jurídica brasileira suspeitar do mérito decisório havido no processo do Mensalão deveria incomodar profundamente os juízes do Supremo, a magistratura nacional, a OAB, o Ministério Público e as escolas de Direito. Também deveria incomodar a imprensa. Juristas insuspeitos acabaram se manifestando a este respeito. Tardiamente, mas o fizeram.
A transparência-TV que o Supremo cismou de ter para televisionar seus julgamentos funcionou como agravante no caso. Médicos, professores, advogados, frequentadores de botequim, bancários, o povo em geral que se deu ao trabalho de assistir às sessões de julgamento, se dividiram. Não se trata apenas de apaixonados ou contrários ao PT. Mesmo sem entender muita coisa, ou outros entendendo muito bem, muitos disseram não perceber “onde” estava o fato criminoso de alguns réus. Esta sensação de injustiça é o pior que pode haver.
Se o STF acha que expor suas entranhas na TV é uma coisa positiva, vai ter que suportar a opinião pública fazendo juízos, legítimos, nada favoráveis. Toda vez que processos iguais ao Mensalão virarem um Bbb jurídico ou um programa da tarde brigando por audiência com Datena, Marcelo Rezende e Ratinho. E toda a imprensa agradece, muito bem obrigado.
Qualquer advogado criminal sabe da técnica de insistir na dúvida para o juiz ou jurado, visando a absolver o réu. A divisão popular entre falta de certeza com a condenação e dúvida posterior sobre possível absolvição no caso do Mensalão se mostra grande, e incômoda. A suspeita em parte da sociedade foi de motivos políticos partidários, pressão da imprensa, idiossincrasias etc., tudo para condenar os réus. Isto tomou as ruas e foi péssimo para a imagem da corte e da Justiça como um todo.
Absolver mal é infinitamente menos pior do que condenar mal. É preferível soltar 100 culpados a prender 1 inocente. Num Estado Democrático de Direito princípios assim não podem ser solapados.
Parece que a prisão dos réus está para ser resolvida esta semana. A parcela da sociedade favorável está em festa; direito seu num regime democrático. Por outro lado, os réus devem estar fazendo planos familiares e profissionais para o desesperado encarceramento. Mas talvez um novo problema comece somente agora para parte da sociedade. A sensação de ter “colaborado” para uma sentença talvez suspeita. Mesmo se tratando do pior criminoso de todos os planetas do universo, Zé Dirceu, como querem os tarados da condenação. O gosto na boca dos conscientes que se mantiveram quietos e calados deverá ser dos piores. OBSERVATÓRIO GERAL.
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