Com os últimos escândalos estatais, sempre eles, a delação premiada finalmente está virando moda e ganhando o público. Não é ruim. O manejo defensivo a réus primários que colaboram com a investigação ou com o processo criminal parece estar caindo no gosto de advogados em grandes causas.
Pela lei 9.807, o juiz está autorizado a conceder ‘perdão judicial’, o que, então, impede o Estado de punir. Desde que outros autores do crime sejam identificados; a vítima seja localizada com a vida preservada, se houver; e haja recuperação do produto do crime.
O tema abre questionamentos interessantes. Podem estar aí três fatores culturais distintos que no fundo se conexionam.
O primeiro seria o da iniciativa estatal visando à redução da própria corrupção no setor público. A delação premiada vira vedete não pela criminalidade comum, mas no segmento da corrupção oficial, relativamente a escândalos que, historicamente, se renovam a cada mês.
Por corrupção não se deveria entender apenas dinheiro filmado em cuecas e sutiãs, espartilhos e calçolas. A lista de hipóteses parece ser interminável.
O segundo fator, uma nova cultura em advogados, reconhecendo tecnicamente que o bom e velho ‘negar sistematicamente’ possa não mais ser tão interessante para o cliente. É como se a sociedade tivesse decretado o último impune: o político famoso de São Paulo que vai morrer negando e rindo, e praticamente nada lhe aconteceu. Estratégias advocatícias, em grandes casos, estão sendo repensadas com a possibilidade da delação premiada.
O terceiro seria uma nova visão que se passa a ter do Estado. Com a revolução tecnológica chegada aos órgãos oficiais de investigação policial e persecução penal, ficou praticamente impossível negar condutas e atividades flagradas. Tudo está filmado, gravado e visualizável. Aqui surge o estranho paradoxo de por que o Ministério Público e a Receita Federal continuam não querendo investigar ‘evolução patrimonial’ de muitos agentes do Estado.
Este terceiro ponto, a nova visão do Estado, equivale a uma verdadeira blindagem. Protege sacralmente os de dentro, e ao mesmo tempo cria um Estado orwelliano, ou Estado-grande-irmão, BBB, que sabe tudo, fiscaliza tudo, como teorizou George Orwell em 1940 no livro intitulado ‘1984’.
A junção desses três fatores vem produzindo um novo caldo cultural na bandidagem, tanto a analfabeta, fedorenta e pé de chinelo, quanto a diplomada e aromatizada com perfume francês. Se o Estado cismar, se disser respeito a um dos seus, ele descobre em tempo recorde.
Por exemplo, o assassinato da juíza Patrícia Acioli em 11.8.2011 com 21 tiros, RJ. O que deveria ser uma queima de arquivo feita por profissionais, foi descoberto ultrarrapidamente com uma perícia quase equivalente ao seriado americano CSI. Ainda que o condenado tenente-coronel Claudio Luiz Oliveira continue com seu ‘sagrado’ salário de R$26.295,09.
Aqui se repara uma célebre dificuldade do Estado. Ao mesmo tempo que investiga, revoltoso e hiperético, o assassinato de sua juíza, como nenhum cidadão na história do país o mereceu, na vertente financeira continua a proteger um condenado a 36 anos de reclusão, o tenente-coronel, com seu inexplicável salário de autêntico marajá.
É neste mar de contradição estatal que a delação premiada entrou. Advogados seniores vislumbraram uma ótima estratégia em seu uso que, em todos os casos, terá que ser objeto de uma forte negociação com o juiz. Isto mesmo. O juiz autorizado por lei a conceder o perdão, tem o calibre e a dimensão desta ‘absolvição’ prática. Pelo menos prática se comparada aos horrores que são os estabelecimentos prisionais brasileiros, quase tão ruins como se vê no filme de Alan Parker, ‘O expresso da meia noite’.
O escândalo do mês que está na rua é o desse Paulo Roberto da Costa (foto), ex-diretor da Petrobras que resolveu falar tudo, devolver 23 milhões, pagar multa de 5 e entregar quem sempre se suspeitou que tivesse rabo mais que preso. Tudo em troca da liberdade.
Até que uma cultura de honestidade varra a sociedade brasileira, fazendo com que pessoas não almejem cargos públicos apenas para ‘se dar bem’, a delação premiada pode prestar um bom serviço.
Primeiramente os juízes garantindo, em plena ‘liquidação’ mesmo, que seja, liberdade para quem abrir a boca. Efetivamente entregar comparsas, meliantes, bandidos e ‘autoridades’ do crime. Isso tanto gera um conhecimento mais rápido na apuração, quanto cria uma nova cultura. Todo mundo do Clube da Corrupção sabe que amanhã ou depois, alguém da cadeia de montagem poderá ser pegado e abrir a boca em troca de liberdade.
O furor e o desespero do Congresso Nacional, por exemplo, em querer saber, correndo, a lista de seus envolvidos na delação de Paulo Roberto da Costa explicam bem a extensão do instituto da delação premiada.
O juiz federal Sergio Moro, de Curitiba, conseguiu ótimo resultado com esta delação, impondo medidas duras de ‘indenização’ ao Estado. Se o bolso é o órgão mais sensível do ser humano, mandar alguém para cadeia por meia dúzia de anos mas garantir que sua quarta geração continue milionária é uma medida para lá de discutível.
A cultura do cadeísmo, do penitenciarismo, tão popularmente ávida e triunfante entre leigos é tecnicamente capenga e mundialmente burra. Já o instituto da delação premiada pode ser muito mais delativo do que premial. Pode efetivamente descobrir maquinarias com o dinheiro público, quadrilhas e associações criminosas. Isto sim poderia ter o condão cultural de um repensar na corrupção. Como não se tem, no Brasil, a tradição mafiosa e qualquer um na hora H poderá entregar todo mundo, talvez mancomunados pensem duas vezes antes de apostar tudo na histórica e sabida impunidade.
Será que se está diante de um novo tempo? Tomara que sim. OBSERVATÓRIO GERAL.
Categorias:Direito e justiça
Esperemos que a todos estes condenados, não seja permitido ocupar cargos públicos.