O último e espetacular livro do peruano Nobel de Literatura, Mario Vargas Llosa, A Civilização do Espetáculo (Objetiva 1ª Edição), gerou e tem gerado uma grande polêmica. Por indicação da querida professora Waltra Theodora, o OG se entregou a esta leitura. Tamanho foi o encantamento pela obra, seja pela linguagem objetiva, ou pelas ideais e conceitos reveladores, resolvemos escrever nossas impressões e compartilhá-las.
Llosa abre seu ensaio com uma constatação provocadora, naturalmente lúcida e visceral: a frivolidade e a morte da alta cultura oriunda de sua democratização.
Talvez, nunca na história, tenha se escrito tanto como agora sobre a cultura. Principalmente quando esta, no sentido que tradicionalmente se tem dado a palavra, está atualmente a ponto de desaparecer.
“E talvez já tenha desaparecido, discretamente esvaziada de conteúdo, tendo este sido substituído por outro, que desnatura o conteúdo que ela teve.” (página 11). Este novo conteúdo, que fatalmente já matou a cultura, ou que, no mínimo está em processo de fazê-lo, é a Civilização do Espetáculo. Mas o que quer dizer civilização do espetáculo? “ É a civilização de um mundo onde o primeiro lugar na tabela de valores vigentes é ocupado pelo entretenimento, onde divertir-se, escapar do tédio, é a paixão universal” (página 29).
A morte da alta cultura e sua substituição pelo espetáculo e pela simulação superficial, constituem para Llosa a razão principal de muitas desgraças que afligem o mundo. Começando por uma grave crise ética e econômica até a degradação de coisas que outrora foram grandes e prazerosas tarefas humanas, no sentido de se buscar a essência. Tais como arte, política, religião, sexo, no sentido do erotismo e da sedução. Ele nos mostra que a origem da civilização do espetáculo, vem da prosperidade e do bem estar vividos após os anos de privações e escassez pós Segunda Guerra Mundial, que permitiu o crescimento da classe média, da liberdade de costumes e do crescimento da indústria do entretenimento, esta, impulsionada pela publicidade, “mãe mestra do nosso tempo” (página 30), que se aproveitou e tem se aproveitado do desaparecimento da crítica, se entranhando no vazio deixado pelo tempo da não crítica.
Um outro fator e o de maior importância em sua argumentação, foi a democratização da cultura. Para ele, trata-se de um fenômeno oriundo de intenções altruístas, uma vez que a cultura no passado era patrimônio de uma elite. Uma sociedade liberal e democrática tinha o dever moral de incluir a cultura ao alcance de todos, seja por meio da educação, seja por meio da subvenção das artes, letras e demais esferas culturais. O efeito colateral e totalmente inevitável para a sociedade está vindo à tona, com a trivialização e mediocrização da vida cultural, que deu espaço para a superficialidade do conteúdo dos produtos culturais. A quantidade em detrimento da qualidade virou regra com propósitos cívicos “justificáveis”. Confundiu-se cultura com conhecimento, por causa da idéia ingênua de que através da educação é possível transmitir cultura. TS Eliot já dizia que “cultura não é apenas a soma de diversas atividades, mas um estilo de vida”. Porém, a realidade de hoje resume a cultura como um produto de consumo, é consumida como “biscoito ou pipoca”. Ir ao Museu do Louvre hoje em dia, é, para a maioria, apenas um esnobismo blasé. Mais uma obrigação turística pós moderna. Com as redes sociais ditando regras e moldando comportamentos (para os moldáveis), uma foto com a pintura da Monalisa renderá muitas curtidas no facebook. Ou seja, neste caso, não há um interesse genuíno pela arte. Um simples olhar de um minuto basta para que o indivíduo sinta-se detentor de cultura.
A definição de cultura se estendeu de tal forma que passou a abranger tudo. Uma vez a cultura sendo tudo, já não é mais nada. Há uma enorme inversão: a cultura deveria ensinar o homem a se posicionar contra a conversão dos seres humanos em objetos. Deveria enriquecer o espírito e a sensibilidade, dando profundidade e densidade às manifestações da vida em todos os seus aspectos. Mas não, a cultura atual é uma grande diversão que tem um preço alto: um distanciamento que enxerga a cultura não enquanto aquilo que integra homem e vida, mas, pelo contrário, um local separado para escapar das servidões da vida.
A homogeneização de conceitos e percepções entre valor e preço, a banalização do sexo e a perda do erotismo, também são pontos muito bem dissecados no livro e que nos faz enxergar, de forma lúcida e racional, o quão vazia e superficial se tornou a sociedade atual.
No vídeo abaixo, Llosa faz um resumo sucinto sobre todas essas questões e convida o leitor a se reconhecer e a se enxergar nesta nova era e, principalmente, a sair da zona de conforto mental, deixando de lado a alienação e a necessidade frenética por mais distração. Roberta Simão/OBSERVATÓRIO GERAL.
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