Há alguns brasis no Brasil. Há o Brasil intolerante que buzina histérico no trânsito, ofende e berra linchamento sob o nome de ‘justiça’. Há o Brasil boçal (não se assuste, ele não é nada pequeno) que além de não estudar, não se intelectualizar, quer opinar sobre tudo sem qualquer fundamento, achando, por exemplo que atacar a pessoa em vez de atacar as ideias é uma crítica válida. Mas há o Brasil reacionário e conservador, o que representa a Direita Penal. Este se traveste de jurídico para conseguir coisas na base da tapa. É antigo e velho de guerra nas hostes do Direito Penal.
Com a manifestação do Conselho Federal da OAB ao Ministério Público, finalmente, sobre o ‘uso’ descarado da prisão como moeda de troca [coação] para obtenção de informações que deveriam ser exclusivamente fruto de ‘trabalho’ investigatório – no Brasil nunca se investigou seriamente-, tenta-se por o país nos trilhos, corretos.
Há uma politização primaresca na sociedade sobre questões jurídicas processuais. Institutos que levaram séculos para se firmar como inatingíveis, em todo o mundo, como núcleos duros de qualquer sociedade democrática, recebem cuspidelas de qualquer transeunte, apenas por interesses eleitorais, partidários ou por ódios a adversários.
É o querer ver o circo pegar fogo. É o se não é comigo, dane-se. Ampla defesa, impossibilidade de provas obtidas por meios ilícitos, processo judicial regular, contraditório, presunção de inocência, todos esses manejos constitucionais próprios da advocacia – o que irrita a muitos que simplesmente odeiam advogados- são conquistas mundiais seculares e não invenções brasileiras.
Nas democracias evoluídas, onde a agressão a direitos pessoais por parte do Estado é historicamente bem menor, a ‘presença’ do advogado também é muito ‘menor’. Mas em países onde pobres e despossuídos continuam a ser desacatados por agentes do Estado a cada esquina, todas aquelas funcionalidades defensivas se veem muito mais urgentes.
Não é o caso dos presos na operação Lava Jato que não têm problemas financeiros com contratação de advogados para sua defesa. Mas paradoxalmente, se a delação premiada está sendo arrancada deles – precisamente deles – do modo como a OAB e uma plêiade de juristas da mais alta competência veem, a situação explodirá nas camadas miseráveis da sociedade, como uma pedagogia processual do horror, da violência inquisitorial e da agressão a direitos humanos básicos.
Um Brasil atrasado, nitidamente incompetente em questões sociais e jurídicas, insiste em reclamar de Direitos Humanos, como se eles fossem para proteger bandidos. Um outro Brasil velhaco e conservador ‘usa’ esse discurso para obter votos eleitorais em bolsões fundamentalistas ou não educados.
Mas a OAB acerta totalmente, em cada vírgula, quando lança o gravíssimo reclamo sobre o ‘uso’ da prisão como moeda de troca à delação premiada. Ninguém menos que um – por enquanto! – ministro do Supremo Tribunal Federal, Teori Zavascki já denunciou esse horror processual, ao soltar diversos executivos presos nesse ‘modismo’ perverso.
Toda e qualquer pessoa deve responder civil e criminalmente por seus atos. Seja Lula, FHC, Aécio, Dilma etc. Mas isto é o óbvio. Não há qualquer exagero ou surpresa na equação. Executivos e magnatas também. O que está em xeque não é com ‘quem’ responde, mas o modelo processual aparentemente blindado que parece estar ocorrendo a ponto de causar manifestação incisiva e unânime do Conselho Federal da OAB.
Se o Brasil criar uma cultura de aceitar bater em poderosos sem um corretíssimo devido processo legal, o que será do povo? Este que não tem dois meses de férias por ano, ‘recessos’, salários nas nuvens e que não tem ‘auxílios’ (moradia, motorista, alimentação, ginástica, mordomia, segurança, casas funcionais, empregados, repousos e cursos no exterior).
O Brasil que deveria ser melhor para o Brasil seria aquele dos respeitos máximos à dignidade da pessoa humana. Neste a boa e velha OAB não se insurgiria contra. OBSERVATÓRIO GERAL.
[Artigo republicado no BRASIL 247]
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