A sedução talvez seja mais importante do que a conquista finalizada. A certeza de que alguém foi efetivamente conquistado, para muitos, chega a fazer cessar a ‘graça’, gerando desinteresse. Isso pode parecer absurdo, mas a sedução tem poderes tão grandiosos, internos para o sedutor, e projetados para o seduzido, que é como uma certeza de que se está ‘vivo’. Daí, perder-se o poder de sedução pode ser algo devastador.
O título do artigo se refere a uma frase do sociólogo francês Jean Baudrillard, dita em 1979, no jornal Le Monde: ‘Quero acreditar que os verdadeiros ‘doentes’ hoje em dia sejam não os doentes do sexo, mas os que não conseguem mais seduzir’.
Baudrillard faz interessante análise. Em primeiro, nega que sedução dependa do desejo, considerando, mesmo, o desejo uma hipótese supérflua. Em segundo, ensina que mesmo quando a mulher se refere a um prazer difuso, continua atrelada a uma anatomia do corpo. Neste ponto, Baudrillard contesta Freud em sua famosa frase: ‘A anatomia é o destino’, afirmando que apenas a sedução ultrapassa os corpos. Conclui que a sedução é um jogo além da realidade sexual, do gozo e do prazer, não guardando relação com a realização genital.
Sabe-se que Baudrillard liga sua teoria dos signos à sedução. Signos não são ‘visíveis’, requerem sedução para serem percebidos. Ao mesmo tempo, desvincula a sedução a conceitos como corpos físicos, prazer e sexo.
Mas o que chama atenção em seus ensinamentos é um ponto complexo. A importância da sedução a ponto de atribuir o grau de ‘doença’ a quem não mais seduz, ao mesmo tempo que ela estaria desvinculada de qualquer intenção sexual.
A importância da sedução representa ao mesmo tempo potência (poder) e conhecimento (manejo). Seduzir é afetar uma verdade, normal, organizada, talvez quieta em seu canto há muito tempo. Esta verdade, se antiga, não fica ‘velha’, mas estabilizada, ou seja, mais difícil de ser seduzida.
O sedutor em seu processo de encantamento ou desvirtuamento vive sucessivos troféus momentâneos, no rito de sedução. Obtém risos carinhosos; movimentos corpóreos lentos e desejosos, alguns regados a umidades íntimas, oriundas de vontades talvez até inconscientes.
As obtenções do sedutor vão de uma atenção dedicada e viciosa do seduzido a ele, até negações explícitas de que este não está sendo afetado, uma das últimas e naturais reações defensivas antes de assumir a tragédia de que sua verdade foi deliciosamente violada pela sedução.
Não se pode negar que essa sensação para o sedutor seja de puro poder. Numa sociedade ocidental como a que Foucault lembrava que a sexualidade não é reprimida ou proibida, mas forçada a ser falada e sabida, a sedução nas relações adquire tônus vital, insuperável.
Seja numa mesa de negociação, numa sala de aula, numa palestra empresarial ou num texto a sedução comandará o cenário a favor do agente. Não sendo a sedução, esta, qualquer movimento pessoal ligado ao corpóreo freudiano: o sexo.
Já nas relações sociais, mesmo sem desejo, a sedução será uma moeda de captação de atenção das mais poderosas.
Entretanto a explosão da sedução se dá na situação à qual se somem o signo oculto de certos objetos manejados, como o interesse, o desejo, a vontade, a libido – esta ainda unilateral-, e a suposição sexual aplicada, ou seja, a imagem da junção sexual, a consumação relacional máxima.
Não se trata de querer ligar tudo ao sexo, mas apenas se buscar ‘graduar’ a sedução. Para o signo haverá a sedução da compreensão do objeto pelo seu signo. Mas para o casal, o processo de sedução representa não propriamente o violento cio das fêmeas no reino animal, mas um outro mecanismo violento de poder e afetação intelectual, o que afeta a verdade do outro pela conquista do rito sedutor.
A ‘perda’ da sedução pode representar uma ‘doença’, sabendo-se que determinadas pessoas com 80 anos continuam facilmente a seduzir. Ao mesmo passo que certos jovens de 20 mal sabem encantar. De novo e aí, a sedução poderá revelar seu imenso poder desvinculado do corpóreo sexual. Mas de uma capacitação de encantamento que torna o conceito tão importante e decisivo como ele é.
Viva a sedução, viva o sedutor, mas sobretudo, viva a capacidade de se deixar seduzir.
OBSERVATÓRIO GERAL.
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