‘Desconfio que haja algum mecanismo irracional atuando aqui.’ James D. Watson, no livro DNA – o segredo da vida, 2005, p. 315.
A frase do prêmio Nobel de medicina de 1962, não se refere a esquisitas criaturas brasileiras que, por pura ideologia política deste obscurantista e prostibulento ano político de 2019-20, dentre outras coisas, acreditam na maluquice da Terra plana.
O irracionalismo em todas as suas formas continua sendo um ponto de grande interesse – ou divertimento-, para estudiosos e pensadores.
Semana passada publiquei a primeira versão desta semitrágica reflexão sobre a ignorância, intitulada ‘O príncipe, a estupidez e os hamsters’. Aqui, agora, agudizo com o horror de despensadores e descríticos, negadores da própria inteligência e crítica, que simplesmente se entregam a ‘conhecimentos’ estapafúrdios: os negacionistas assumidos e os enrustidos. Todos esses por mera viragem ideológica a uma estranha criatura-modelo.
O negacionista assumido, em geral, é a besta quadrada inequívoca; este, um ser fácil. Não oferece dificuldades para o seu reconhecimento. Já o negacionista enrustido é o que elege essa coisa intelectualmente infantil de ‘mito’ para seguir e, ao saber que seu mito acredita em Terra plana e outras idiotices, não tem como sustentar a aberração, mas também não tem como negar sua desastrosa escolha ‘mitológica’. É uma aporia existencial que envergonha o próprio negacionista enrustido.
Talvez você conheça alguém que ‘negue’ a pandemia do Coronavírus-2020. Negue a gravidade do vírus. Negue a enfermidade. Negue as mortes. Ou as relativize com outras, como se morte fosse, idiotisticamente, um dado relativizável.
Impressionantemente, também se descobriu que essa mesma gente nega que o homem foi à lua, que exista aquecimento global, que o homem interfira sobre a natureza, e que o tal do ‘comunismo’ – fora de seu interesse teorético- ainda possa ser uma ameaça justamente para um país do tipo do Brasil. Parece piada.
No primeiro grupo de negacionistas, há uma deficiência com alfabetização científica. Nada mais que isso. O astrônomo Carl Sagan, na obra O Mundo Assombrado Pelos Demônios, p. 22, explica que Thomas Jefferson foi ‘o último presidente cientificamente alfabetizado’. E repare que ele foi presidente em 1801. Sagan excepcionaria Barack Obama, naturalmente, se estivesse vivo à sua contemporaneidade.
No segundo grupo, dos ideologistas crentes, falta apenas conhecimento, mais especificamente histórico.
Ainda, para ambos, além de conhecimento, que pode ser adquirido, parece faltar também inteligência – esta resultante talvez neural, ainda tão biologicamente misteriosa para cientistas. É por meio dela que se comparam coisas, logicizam situações e se concluem cenários com acerto.
Paralelamente à deficiência de conhecimento, no caso brasileiro, há uma espuma ideológica em ‘seguir’ um rude, um autoritário baixo-clero que só sabe difundir ódio e desentendimento nas relações pessoais como visão de mundo.
O filósofo Theodor Adorno, na obra ‘Estudos sobre a personalidade autoritária’, p. 251, ensina que ‘embora o paranoico seja assolado por um ódio geral, ele, não obstante, tende a ‘escolher’ seu inimigo, a incomodar certos indivíduos que chamam a sua atenção: ele se apaixona, por assim dizer, negativamente.’
Gustavo Bebianno parece ter morrido de tristeza, vitimado por incalculável traição. Já o jornalista Paulo Henrique Amorim, parece ter morrido de desolação pessoal, vitimado pelo ódio persecutório que conseguiu fizessem demiti-lo do emprego. Outros tantos traídos e xingados em rede social conseguiram ‘não morrer’, mas foram covardemente vitimados por um sistema paranoico de ódio e inveja com a fama. Mandetta é o caso mais recente e, junto com Moro, virou ‘comunista’ em menos de 24 horas.
Isso lembra, em tudo, o ódio de Josef Stalin contra, inclusive, os seus mais próximos – fiéis, amigos, assessores-, alguns implorando pela própria vida em nome da amizade histórica jamais falseada, ante um Stalin cego e possuído. Nada disso suplantava a ‘paixão negativa’ e o ódio paranoico estudado por Adorno.
Como boa parte da Filosofia não tem grandes preocupações com ‘respostas’, mas sim com questionamentos instigantes, o tema em questão suscita algumas perguntas que seriam ofensivas se não fossem surreais.
O que leva uma pessoa – afora a ‘dificuldade’ com um raciocínio minimamente sadio-, vivendo numa cidade grande e urbana, razoavelmente formada e informada, a ‘negar’ a gravidade da pandemia mundial, do vírus mundial, de uma doença mundial que mata, e não parou mundialmente de matar? A pobreza intelectual de uma teoria da conspiração brasilóide, no caso do Coronavírus, certamente envergonha o país.
Já em 1944, os filósofos Adorno e Horkheimer, na obra Dialética do esclarecimento, p. 17, ensinavam que ‘o esclarecimento tem perseguido sempre o objetivo de livrar os homens do medo e de investi-los na posição de senhores’.
O problema é que um grande bolsão social do país não consegue se esclarecer minimamente; não consegue aprender os rudimentares conceitos e princípios maravilhosos da ciência, nem educar os jovens assim; não consegue utilizar a base do pensamento crítico e opta por dogmas, argumentos de autoridade, mitos e heróis de plantão.
Não se sonha, aqui, com um país de ultraletrados, pensadores, cientistas e intelectuais. Pelo menos num primeiro momento, não. Mas com um que, ao menos não denote os medos e as sanhas próprios de uma sociedade tristemente atrasada, do tipo Terra plana, por questões de ideologia política a um mito. Que nem grego é.
Jean Menezes de Aguiar
Categorias:Cidadania online