(foto-OG). Há um discurso basicamente conservador correndo nas sarjetas do conhecimento humano brasileiro. Quer ligar exclusivamente o PT à corrução. Absolve tacitamente todo o restante do Brasil, os governos anteriores. Ou é falta de conhecimento e deficiência na análise, ou cinismo. A literatura brasileira no setor é farta. Em Honoráveis bandidos, por exemplo, livro de Palmério Dória que estampa a cara de Sarney na capa e não pôde ser lançado no Maranhão – gerou um quebra-quebra, os fatos históricos abundam. Aqui apenas alguns exemplos tirados do livro:
1 A “pós-graduação em delinquenciologia no governo Maluf”;
2 O “Trem da Alegria de 1984, embarcando 780 felizardos na gráfica do Senado e outros 600 nos gabinetes da Casa, entre eles a mesma Roseana que nem morava em Brasília, mas no Rio”;
3 A “Sarneylândia” composta de 1 maternidade, 4 vilas, 3 escolas, 1 biblioteca, 1 jornal, 2 Tvs, 2 rádios, 35 emissoras de rádio, 13 repetidoras da Tv Mirante, 1 ponte, 11 avenidas e ruas, 1 rodoviária, 1 Fórum, 1 sala de imprensa, 1 sala da defensoria pública, todos públicos no Maranhão com sobrenome “Sarney”;
4 As injunções da construtora Camargo Corrêa nas estradas de acesso a Brasília, Ponte Rio-Niteroi, rodovias paulistas Imigrantes e Bandeirantes, usina nuclear de Angra, gasoduto Brasil-Bolívia, hidrelétricas de Jupiá, Ilha Solteira e Itaipu desaguando, 30 anos depois, na operação Castelo de Areia da polícia federal prendendo diretores da empresa que ostentava problemas de toda ordem com políticos e “autoridades”;
5 As heranças malditas da ditadura como a mais pervertida delas que está nas concessões de rádio e televisão, com as cassações militares, a partir da década de 1960, em empresas progressistas como a Tv Excelsior, que morreu para que a Globo dominasse o mercado e a companhia aérea Panair do Brasil, que morreu para que a Varig dominasse;
6 As 1.091 concessões de rádio e televisão distribuídas por ACM no governo Sarney, sendo que 165 “compraram” parlamentares e 257 foram dadas na reta final da aprovação da Constituição de 1988;
7 O fato de não ser “exagero debitar na conta da dupla de coronéis a programação idiota e fabricante de idiotas que temos neste país, dado o nível de ‘políticos’ que ganharam concessões – dispostos à imoralidade de trocar rádio e tevê por apoio a mais um ano de Sarney”;
8 Por fim, “o Senado brasileiro é a cara de José Sarney”. 181 diretores para 81 senadores. Tem diretor de autógrafo. “Tudo é secreto na imensa caixa-preta”. O salário de diretores ultrapassa 35 mil reais. O nepotismo é disfarçado. Sabendo-se que a aposentadoria não pode ter 1 centavo de desconto, ok? E ainda tem chato por aí falando em “teto constitucional”.
Agora, partindo-se para o novíssimo livro de FHC, Pensadores que inventaram o Brasil, 2013, tem-se um FHC renovado. Na apresentação da obra, por exemplo, utiliza expressões que sempre fizeram a direita corar, como “golpe” de 1964, “nossas desventuras de militância ao redor do Partidão”, “regime autoritário” e outras. Estima-se que essas “confissões” de sua pessoa, quase que imperceptíveis a olhos comuns, possam ser um tentativa de o autor resgatar o FHC de esquerda, buscando atenuar a pecha de neoliberal.
No último capítulo do livro, a partir da página 227, FHC analisa Raymundo Faoro, como um dos 10 pensadores escolhidos. A tônica de Faoro tem basicamente uma centralização teórica: o patrimonialismo na evolução sociopolítica do Brasil, para formar o conceito de “estamento burocrático”. Pelo patrimonialismo tem-se um Estado formado por “autoridades” basicamente desonestas, o que Roberto DaMatta aponta como característica secular no Brasil – em relação à não distinção entre o limite do público e do privado. Um modelo próprio do absolutismo.
Pois bem, o prócer do PSDB , bonitão e agora namorador FHC estuda o patrimonialismo. Oviamente que sem a “aplicação” direta à corrupção, mas como um padrão cultural brasileiro inescondível. Ora, esse patrimonialismo é o refogado cultural histórico da corrupção. Por acaso há algum político ou “autoridade” estatal “pobre” neste país? Considere o termo “pobre” como quiser. Será muito difícil você encontrar um pobre em algum posto chave do Estado.
O “grande problema” do PT, em linhas curtíssimas, foi, efetivamente, que enquanto candidato conseguiu se vender como santo (como Collor também se vendia assim). Quando virou governo, viu-se que ele “também” não é santo. Mas santo não existe. Só para quem crê em santos. Aí, o conservadorismo da sociedade brasileira aliado a uma dificuldade de compreender o conceito de “governo possível”, seja ele FHC, Lula, Dilma, Itamar ou Sarney, afora casos de polícia que existem em todo governo e que deveriam ser tratados como caso de polícia, “teoriza” que o Pt é o inventor, o culpado, o beneficiário e a mãe que pariu a corrupção brasileira.
Esta esquizofrenia pensante se tornou tão agudizada que ficou fácil saber sobre a extensão do conhecimento histórico e social de um cidadão. Basta perguntar sobre a “corrupção”. Se a criatura começar a falar de Dilma & Lula, Lula & Dilma, Dilma & Lula, espumando entre as expressões quando falar o nome “PT”, dando a entender que o Brasil foi inaugurado há 10 anos você está diante de um hominídeo que pensa primariamente. Não contextualiza a infeliz história e cultura de corrupção brasileira em décadas de construção de, por exemplo, pior desigualdade de renda do planeta, ao lado de Serra Leoa, até poucos anos atrás.
Pessoas escolhem o lado político, a ideologia, o candidato e as teorias que lhes convêm. Isto é absolutamente soberano e livre. Só não se pode, para justificar a sua própria escolha, fingir que não há problemas no seu lado, seja ele direita, esquerda ou muro. Ou querer que todos os males do universo estejam no lado oposto ao seu. Aí, a conversa desanda e um mínimo de coerência se perde. OG.
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