Qualquer ‘chimpanzé’ fala e reenvia mensagens; já escrever…

                                     

‘Palavra escrita e palavra falada’. Esta foi a comparação que o professor de Direito Eliasar Rosa, na década de 1970, fez na Introdução de seu livro Os Erros mais Comuns nas Petições. Nunca uma diferença entre escrita e fala foi tão atual, 50 anos depois.

O autor ensina que, ao contrário da voz, ‘a elaboração mental do escritor é lenta. E porque se faz com o tempo, a escrita pode revelar um exato senso de medida, de propriedade, de precisão, de ordem e unidade. Consegue o escritor, por isso, dar à sua expressão um contorno quase geométrico.’ O que pode ser mais preciso que isso? Pois é.

Fica claro que escrever e produzir textos não é coisa simples. Já falar – e agora reenviar fofocas do político de estimação em Wzapp- é algo bem ‘fácil’, basta o dedo, não a inteligência. Mas aqui as coisas se cruzam, porque os reenviadores de mensagens e propagandistas políticos querem que sua atitude, muitas vezes erística, de derrotar inimigos, seja conhecimento. Então tá.

A confusão entre opinião, crenças e arroubos ideológicos de um lado, e conhecimento do outro, como a velha vontade de poder, sempre ocupou cabeças primárias. O filósofo Gaston Bachelard, há um século, em três passagens registrava: 1) a opinião não pensa, pensa mal, é preciso destruí-la; 2) não se acredita porque é simples, é simples porque se acredita; e 3) o conhecimento geral é quase fatalmente conhecimento vago.

Estabelecidas essas bases rápidas para uma comparação simples entre escrita e fala, ou mesmo conhecimento e opinião, chega-se a esta atualidade de 2022, neste Brasil nada varonil.

Todo mundo resolveu que sabe tudo e opina sobre tudo, de Direito a Imunologia, veem-se radialistas histriônicos e blogueiros operosos desafiando a um debate de constitucionalidade, ministros do Supremo Tribunal Federal e outros. É a moda da ‘tudologia’, espécie de encarnação cognitiva mágica que transforma qualquer um, de um dia para o outro, em jurista, cientista político ou epidemiologista. Não é sensacional?

Além de derrotar inimigos sem ter razão, num ‘diálogo’ à Schopenhauer, há também algumas formas de qualquer um se ‘passar’ por sábio. A mais fácil e direta é mantendo a boca fechada. Zero, nada, mudo, silêncio total, mas com aquele ar intelectual de psicanalista argentino de filme Noir: compenetradíssimo. Costuma funcionar, ou pelo menos enganar incautos. Sugere algum resultado entrópico do pensamento complexo, da obra homônima de Morin.

Só que mentira tem perna curta e nosso falsário do conhecimento, em algum momento, terá que abrir a boca, ou seja, escolher um desastre inferencial para chamar de seu, de preferência dando vazão à praga do momento: reenviar lixo em Wzapp. Não se exija um ‘texto’ autoral da criatura; covardia não.

Com a interessante polarização política de 22, com força para excluir terceiras vias – todavia incompetentes em neopolarizar e aparecer-, ressuscitam-se uma esquerda peteizada dinossauricamente ex-sindical que jura ser a reinvenção da probidez e honestidade; e uma extrema direita caquética e inculta, que, todavia, já saiu do armário com lantejoulas & paetês-nazi-trans de uma ideologia que nenhuma democracia constitucional do planeta adota mais: o velhaco golpe militar.

Ambas as radicalizações têm traços próprios que, naturalmente, influenciarão seus defensores radicais em suas falas e reenvios whatzappianos.

A radicalização do PT não se refaz como uma típica radicalização de esquerda genérica, nem socialista, na quadra de Alain Touraine, O Pós-Socialismo (ação social + intervenção histórica + luta de classe + poder do Estado), nem na marxista autêntica, na tríade do próprio Marx, referida por André Gorz, O Socialismo Difícil (vitória sobre a escassez + politecnicismo + abolição do trabalho como obrigação imposta pela miséria). Esses conjuntos simplesmente nunca houve por aqui. Um dos traços mais singularizantes da radicalização de esquerda é o lulismo, uma forma não declarada de mitologia – perdoe-se a fantasmagoria idiotizante- em ultraconcentração na figura do ex-presidente, com a ressalva histórico-necessária de que Lula, abstraídos os defeitos, nunca atraiu nenhuma identificação com modelos formais de ditadura, antidemocracia funcional ou golpe de Estado.

Já a radicalização do bolsonarismo atrela-se a um primário pensamento messianista e salvífico, como todos – a própria negação do Esclarecimento com a antropofagia da coisa do ‘mito’-, por si só uma pré-estupidez, só que com a potencialização de entronizar um tipo pós-moderno às avessas de solução final: o golpe de Estado. Aqui esta radicalização, não apenas pela coleção de preconceitos e outros nazismos que verbaliza orgulhosamente, ganha visibilidade ruptural com toda uma modernidade constitucional óbvia em todo o planeta: o modelo democrático. Basta se observar que o presidente atual toda vez que consegue requentar o mesmo metaforismo mental das tais ‘4 linhas da Constituição’ é para ameaçar a sociedade, explicitamente, no sentido de que poderá, então, não mais seguir esta bobajada da quadratura metaforizenta.

Com esta sofrível digressão sobre as duas radicalizações, surgem seus defensores, heroístas e sempre de plantão, para estragar qualquer almoço de domingo quando o assunto chegue àquilo que Aristóteles reclamava: o homem é um animal político.

Os radicais do PT têm a seu prol, historicamente, a vantagem de Lula nunca ter sugerido ou falado em golpe de Estado. Em padrões brasileiros esta situação que seria mínima, reles e óbvia a qualquer democracia primária, deixa de ser pequena quando grande parte desta sociedade parece ter orgasmos múltiplos com a ideia de golpe de Estado. De qualquer jeito, o petista roxo xinga, ofende e rompe quando o assunto é política, ou melhor esquerda, ou melhor PT, ou melhor ainda Lula.

Já os radicais do bolsonarismo seriam descritos pelo filósofo Peter Sloterdijk desde 1983, na obra Crítica da Razão Cínica: ‘correntes maciças de um Contra-Esclarecimento e de um ódio à inteligência; uma falange de ideologias antidemocráticas e autoritárias, que sabiam se organizar de maneira eficaz em termos publicistas; um nacionalismo agressivo com traços de luxúria vingativa.’ Parecia mesmo que o pensador iria conhecer os odiadores de inteligência brasileiros deste 2022.

Mas, dê-se um celular para uma dessas criaturas e o estrago estará garantido. Não há artigos, teorias, princípios, digressões, dimensões, estudos, autores e fundamentos escritos que importem. Apenas reenvios heterônomos jactanciosos de Wzapp.

Por outro lado, estudos e teorias vão servir para quê? Considere-se um Contra-Esclarecimento agudizado em fundamentalismos religiosos, renegação de princípios universais, terraplanismo, dúvida sobre vacinas e outras surrealidades e chegamos a H. L. Mencken (O Livro dos Insultos) com a grande verdade de há um século desde que o primeiro gorila ‘avançado’ vestiu cuecas, franziu a testa e saiu por aí dando conferências, o mundo virou uma piada.

Nossos ‘chimpanzés’ humanos evoluíram, tornaram-se ‘consultores’ e coachs quânticos, espirituais e financeiros. Os verdadeiros não escrevem, mas dão amor antes de morrer, como descrito pelo primatólogo Frans de Wall em O Último Abraço da Matriarca, e na Internet.

Pensando bem, ser-nos-á o suficiente.

Jean Menezes de Aguiar.



Categorias:Cultura, Política

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