Sempre que se fala em algum tipo de repressão policial ao crime, alguém acusa o discurso de “conservador”. E costuma ser. Criminalidade é um problema social, de dificílimo tratamento ou “solução”. Mas o lado contrário à uma repressão mínima que seja é a permissividade com o crime. E aí vem a questão: a repressão é ruim, mas o crime é pior.
Parece não haver dúvida que sempre que há a figura do crime e do criminoso a sociedade tem escolhido pelo estancamento do crime. O problema é que estancar “um” crime é diferente de mudar hábitos sociais no sentido de reverter a criminalidade. Se as doenças são diversas, os remédios também são.
Crime são condutas previstas no Código Penal ou em leis às quais a sociedade não quer ver, compartilhar, conviver ou sentir. Daí instituem-se órgãos e Poderes para coibi-lo.
No Código Penal lê-se: “Art. 163 – Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia: Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa”. Aí está o crime de “Dano”. Vândalos que depredam ônibus, viaturas policiais, vidraças de agência de banco, praticam crime de Dano. Para o combate ao crime está previsto não o cassete, não a bomba de efeito moral, não os gases de pimenta, mostarda, lacrimogêneo nem mordida de cães. Para o crime há uma “pena” prevista e a imposição legal da prisão em flagrante.
O problema do crime se agrava ou se complica quando é praticado por uma multidão, como se viu nas cenas das manifestações de 14.out.2013. Mas para multidões de criminosos, há multidões de policiais, pagos pela sociedade. É claro que não há polícia para toda uma população. Mas “a população” não é criminosa. Surge o primeiro problema: identificação dos criminosos. O joio do trigo.
A prática policial parece ter mudado, pela terceira vez em São Paulo com o distúrbio da última 3a feira, 14. No início a estapafúrdia ordem do governo, que classificou indistintamente os manifestantes pacíficos (ainda não havia Black Bloc) de “baderneiros” – Geraldo Alckmin-, foi de descer o cacete. O resultado foi desastroso. A gritaria social foi coesa contra essa barbaria oficial. Aí, a PM mudou. Apertou o botão do “dane-se” e se postou cínica assistindo, sem fazer nada. Começou o quebra-quebra e ela foi acusada de leniente. Com razão. Por fim, a terceira “tática”: prender em flagrante, ainda que espancamentos raivosinhos, descontrolados e absurdos da PM tenham sido verificados.
A função da polícia, qualquer que seja ela, é de prender o criminoso em flagrante. Qualquer criminoso. Isto não se lhe é uma opção, mas uma obrigação prevista em lei. Está no Código de Processo Penal, artigo 301. Já bater, agredir, espancar, ferir é outra questão. Ilegal.
É claro que no momento “das ruas” com vândalos depredando, incendiando, pondo inocentes em risco os ânimos se exaltam. Mas também é claro que o ânimo de um policial profissional treinado jamais deve se exaltar, como se fosse um qualquer.
Há uma ponta de interesse secreto nos grupos pacíficos de manifestação social. O de que “algum distúrbio” é bom e necessário. Daí, um “núcleo de radicais” tem sido bem-vindo. Algo como a diferença ideológica entre PCB e PC do B na resistência à ditadura militar de 64. Não para incendiar, ferir ou causar crimes. Mas para fazer barulho “além da conta”. O caso é que há aí uma linha tênue entre o distúrbio “bom” e o crime.
Conservadores e reacionários costumam querer que grevistas e manifestantes “não atrapalhem o trânsito”. Parece piada. Uma manifestação tem por intenção óbvia atrapalhar em alguma medida, só assim ganha visibilidade. Daí, há o distúrbio “normal” causado por manifestações, igual em todo o mundo. No Brasil, por exemplo, contra a roubalheira oficial das “autoridades”, que existe há décadas.
Mas qual é o “certo” para a polícia? Prender em flagrante ou espancar? Esta questão precisa ser enfrentada pela Polícia Militar que já arrasta o estigma do nome “militar” e não “social”. Uma polícia assim só no Brasil, em mais nenhuma democracia. Que se mude o nome da PM para PS – polícia social. Urgente. Mas o baronato de coronéis resiste.
Já se disse que onde os Black Blocs intervieram, no mundo, a sociedade pacífica se retraiu. Parece que o mesmo houve no Rio e em São Paulo, na reivindicação dos professores. A PM mudou. “Resolveu” prender, coisa que até então não tinha ocorrido. Só precisa melhorar, juridicamente, o ato prisional que faz. Não adianta o policial berrar, dar carteirada e prender. Patético. Dos 56 encaminhados para delegacia, em 14.out.2013, São Paulo, simplesmente todos foram liberados pelo delegado por falta de prova. Será que o único gosto da polícia é de sangue? Não pode ser.
A tarefa da polícia não é fácil como a crítica é, num artigo destes. A sociedade precisa das manifestações, dos manifestantes, das pautas, dos jornalistas, da imprensa e também da polícia. Precisa dos berros contra a história de corrupção que se tornou padrão cultural no Estado brasileiro essencialmente desonesto, há décadas. Distúrbios são razoavelmente naturais, mas não a ocorrência mancomunada de crimes como as imagens mostraram. Não é o porre, mas a disenteria da cidadania.
A PM erra, mas nós, sociedade, temos que enfrentar a chaga do nosso erro, inclusive “originário”. É das nossas entranhas que tem saído os criminosos e violentos em manifestações. Precisamos, todos, os manifestantes legítimos e necessários dizer não a estas violências. Se temos que berrar contra um Estado historicamente corrupto, temos que berrar igualmente contra boçais violentos.
O ponto de equilíbrio tem se mostrado difícil. O Brasil não tem cultura com manifestação social. A história tem mostrado um retorno cíclico com espaço de décadas entre um episódio e outro. O povo precisa sim tomar as ruas. Mas agora contra dois fatores: a incessante corrupção histórica e a violência nas manifestações. OBSERVATÓRIO GERAL.
[Artigo republicado nos jornais O DIA SP e O ANÁPOLIS, GO – Jean Menezes de Aguiar]
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