[Artigo]. O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, José Carlos Moreira Alves dizia que não dava entrevista à imprensa. Decidia sobre Direito, nos autos do processo. Eram outros tempos. Alguém diria, hoje, que aquele magistrado seria autoritário. Que na época não havia transparência. Mas ministros não eram empresários, carnavalescos, não davam autógrafos, não faziam sucesso na TV, não viravam máscara de carnaval, não compravam apartamento em Miami por 10 dólares etc. Também não se xingavam em público de chicaneiros, uma das piores agressões processuais que há, estarrecendo a sociedade.
Recordo quando ainda estudante de mestrado, contando tostões para pagar prestação mensal de livros importados na livraria Principal, do inesquecível livreiro Aluísio, na esquina de Nilo Peçanha com México, 2o andar, Rio de Janeiro. Ali encontrei o ministro do Moreira Alves. Conversamos sobre Hans Kelsen. Saí da gentil conversa encantado, e homenageado, pelo conhecimento e paciência daquele estudioso. Pergunto-me se hoje sairia encantado igualmente se encontrasse Joaquim Barbosa. Não em razão de falta de conhecimento, mas por sua vocação autoritária. Talvez ele quisesse me convencer à força sobre alguma tese.
Uma coisa é certa: a palavra do Supremo tinha um valor quase absoluto. A própria imprensa não questionava. Talvez porque soubesse que falaria no vazio. Com a invenção do Supremo-pop, Supremo-TV, e ministros lançáveis à presidente da República, certas coisas mudaram. Até os funcionários da corte fizeram reivindicação sindical para criarem uma carreira própria no Judiciário: ficariam Eles, deve ser com “e” maiúsculo, e o resto mortal do Judiciário no país. É um pasmo só.
Agora com a onda “mensaleira”, a ação penal 470, outras coisas se transformaram num autêntico Bbb jurídico. São capítulos, intrigas, fofocas, pareceres e mistérios. E novamente plateia, muita plateia para garantir audiência, “ok ok”, diria o apresentador de fama Nelson Rubens.
Em nome da “transparência”, uma corruptela jurídica mundana do ótimo princípio da “publicidade” existente na Constituição da República, artigo 37, muitas autoridades aprenderam a surfar. Na fama e na vaidade. Mas somos humanos, que fiquem nossos vícios em paz.
Um dos últimos capítulos da ação penal 470 é a prisão dos condenados, esta semana. A imprensa vem atribuindo uma frase quase inacreditável a Gilmar Mendes. Quase, pelo lado do Direito que se revira no trono. E quase, por se tratar de Mendes, sempre chegado a frases de efeito, em público.
Teria dito, Mendes, sobre o processo penal, um instrumento que no Direito tem típica natureza jurídica de garantia dos acusados: “É desejável que termine. Todo mundo quer que termine e precisa ser um exemplo de processo penal que se encerra”. Mas, todo mundo quer? Exemplo?
Um magistrado jamais dá fim a um processo penal porque “todo mundo quer”; porque está incomodando parte da sociedade; porque a grande imprensa pressiona. Ou porque o Supremo, aí outra análise, corre o risco de se desmoralizar e quer esquecer rápido o episódio. Um processo penal vai às últimas, ultimíssimas consequências processuais simplesmente porque deve ser um instrumento de garantia da liberdade do acusado. Não um título frenético de prisão-vingança pró-sociedade.
Não pode ser a sociedade, sociologicamente com suas genialidades e belezas, mas sanhas, taras, tragédias e preconceitos a calibradora temporal de um processo penal. Muito menos a calibradora meritória de serem os réus culpados ou inocentes. Nem a imprensa pode ser, nem artiguinhos como este aqui. O que calibra um processo penal são os autos. As provas, os fundamentos jurídicos manejados e a correção procedimental. Nada mais.
Se fosse a sociedade que calibrasse o destino de uma ação penal, o processo de Fernando Collor (PTB-AL), o ex-presidente cassado, não estaria parado no gabinete da ministra Cármen Lúcia há inacreditáveis 4 anos. Sob risco de prescrever. Crimes graves “deveriam” estar sendo julgados ali como peculato, falsidade ideológica e corrupção passiva. E nada, nada se move no processo collorido.
Será que a cassação ou a responsabilização de Collor foram menos desejadas na sociedade do que o chamado Mensalão? Nunca. Viu-se toda uma nação querendo a responsabilização do ex-presidente. Na última 6a feira, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, protocolou pedido de urgência no julgamento da ação penal, lembrando que o crime de falsidade ideológica já prescreveu e com os demais poderá ocorrer o mesmo.
Na sessão plenária do STF de 13.nov.13/Mensalão, novos capítulos de ofensas pessoais se verificaram. Ricardo Lewandowski contestou Joaquim Barbosa, o que foi o suficiente para que JB pedisse que Lewandowski parasse de usar “manobras”. Foi prontamente advertido por Marco Aurélio e o próprio Lewandowski a que “se abstivesse de adjetivações”, se “contivesse” e que “debatesse ideias”. Noutro momento, Marco Aurélio irônico deu o troco, reclamou “mas o Supremo tudo pode” e “o presidente tudo pode”, ficando a estocada sem resposta. Em novo embate, Marco Aurélio incisivo voltou-se contra o fato de JB afirmar que a juntada da petição aos autos era automático e sem a participação dele: “Eu não sabia que vossa excelência assinava coisas sem ler.”
Uma grande confusão processual tomou conta do plenário do Supremo sobre quando começa o trânsito em julgado da sentença. Gilmar Mendes, por exemplo, se esforçou muito, cenicamente, rodando 180 graus na cadeira giratória, para se mostrar zangado muito zangado com o que chamou de “manipulação processual”, querendo referir-se aos advogados, mas sem confessar com todas as letras. Joaquim Barbosa, em nova exasperação, ou descontrole, acusou frontalmente todo o plenário de “chicana”, por devolver a ele, JB, a decisão como relator. Advertido imediatamente pelo ministro Teori Zavascki, disfarçou. Disse que não se referia a nenhum dos ministros. Mas como pode haver “chicana” – uma conduta- se não é da autoria dos ministros? Será chicana de algum espírito que pairava sobre o STF? O início da prisão de alguns réus foi aceito, com voto-desempate por Celso Mello.
Fora isso, como se dizia antigamente, não convide para o mesmo jantar JB e Lewandowski. Agora talvez até Marco Aurélio. A chapa voltou a esquentar. Mas novos capítulos virão. OBSERVATÓRIO GERAL.
[Artigo republicado nos jornais O DIA SP, e O ANÁPOLIS, GO – Jean Menezes de Aguiar]
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