Ética para 2014

ética

Há uma crise ética corroendo as entranhas da sociedade brasileira. Isto não é de hoje, e começa já na educação infantil. Se alguma coisa deve chamar atenção está aí, a educação de base, doméstica, familiar. Mimada. Também a educação que pais mimados exigem da escola, para que também mimem seus filhos. Fecha-se o círculo vicioso.

A ética pode ser compreendida como um código de conduta que se divide em positivo e negativo. Positivamente seria: se no fundo eu “deveria” fazer alguma coisa, mas “poderia” não fazer até de forma impune ou cômoda a mim, a ética recomenda que eu faça. Já no plano negativo é o inverso: se eu poderia perfeitamente fazer alguma coisa, mas no fundo algo me diz que eu não deveria fazer, seria melhor eu ouvir o espírito conselheiro conhecido como “no fundo”, e não fazer.

Pode-se aplicar a regrinha à vida cotidiana em quase tudo. O convidado para festa deveria levar uma lembrancinha para o anfitrião (ético), mas pode perfeitamente ir de mão abanando. Este mesmo convidado, deveria procurar os donos da casa e agradecer, verdadeiramente, ao convite (ético), mas pode sair com um tchau geral. O filho adulto que visita os pais num domingo sem empregada, deveria lavar, no mínimo, seu prato do almoço (ético), mas pode se retirar como se seus pais tivessem esta obrigação. O motorista na estrada não deveria ultrapassar pela direita (ético), achando-se esperto e o resto do mundo otário.

Há duas grandes formas éticas: a gratidão expressa e o reconhecimento expresso. Olhar para o outro e agradecer de verdade, com força e com vontade, por qualquer coisa, é algo diferente do comum. É ético. O mesmo se dá quando se elogia alguém, com desejo de reconhecer e engrandecer o outro, homenageá-lo. Medíocres costumam não fazer isso, jamais. Sentem-se diminuídos se elogiar alguém. Deixemos os imbecis de lado. Já os grandiosos têm prazer em reconhecer publicamente o valor do outro.

Sobre os conceitos, o “deveria” que se relaciona com o “poderia”, há muita coisa relativa. Mas uma pessoa conscienciosa conclui, facilmente, que o mais correto, ou ético, está nos juízos do “deveria”, e não no “poderia”. Mesmo que o “deveria” esteja mais longe, ou que seja apenas o “no fundo deveria”, e o “poderia” esteja próximo, mais fácil e mais acessível.

Percebe-se que o fazer ou o não fazer alguma coisa ligada à ética envolve sutilezas. É uma sintonia fina do comportamento educado. A pessoa pode ser educada e não ser ética, não pensar eticamente, não ter sido educada eticamente. É claro que esta ética social do dia a dia faz parte do próprio conceito de educação. Mas na sociedade consumista e egoísta nossa, vê-se um descolamento entre a ética e a educação. Em muitos lugares, considera-se educação chamar os outros de senhor e senhora, não falar palavrão nem arrotar à mesa de jantar. Mas este é um nível primário.

Pais querem seus filhos educados. Mas é pouco, deveriam querer éticos. Muitos não estão ensinando o filho a “perder” para um coleguinha em nome da ética. A ser o segundo, a abrir mão, a dar o seu lugar ou a sua vez. Ou seja, a ser verdadeiramente gentil e elegante, o que não tem nada de bobo ou fútil. Muito pelo contrário, aí pode estar a verdadeira força, o verdadeiro poder.

Quando uma criança é educada a sempre querer ser a primeira, a vencer em tudo, a “não ser boba”, ser esperta para não ser passada para trás, está-se diante de uma educação competitiva. Esta criança pode estar sendo preparada para ser um adulto milionário. Mas dificilmente terá sido preparada para ser ética. Isto pode vir a ser a sua tragédia pessoal.

A ética entrou na moda, ou melhor, a palavra “ética”. Virou discurso cult, verde, descolado, autossustentável, ecologicamente correto, politicamente correto, in, fashion, up e quantos mais adjetivos fúteis se quiser. Mas o que se assiste no trânsito de São Paulo, por exemplo, com homens e mulheres agressivos e violentos é a versão da tragédia social pela falta de ética. Buzinas desejosamente ofensivas e agressivas, taquicardicamente impacientes. Em uma palavra: buzinas boçais.

Tudo tem alguma explicação e para isto existem os teóricos e estudiosos. Cientistas sociais revelaram que o modelo americano de educação foi centrado na competição do esporte para atender ao combate às drogas. Onde há esporte não há drogas, sonham. Pensadores franceses contestam que este modelo nivelado por baixo opta pela formação, intelectualmente discutível, de ginastas. Nunca de intelectuais. Não é coincidência a emissora oficial da ditadura brasileira, a Globo, ter dado tanta ênfase aos esportes. Intelectuais incomodariam e questionariam o regime opressor brasileiro.

A oposição esporte-intelectualidade é maniqueísta, sabe-se. Mas faz lembrar a comparação entre Sparta – força-, e Atenas – intelectualidade-, que meu velho professor de filosofia, Roland Corbisier fazia muito, claro que em termos de princípios.

Há confusões interessantes. O pensamento formalista exige um tratamento social austero e respeitoso. Quase autoritário. Pode ser muito preocupado com a forma cênica de uma etiqueta visual: aperto de mão; falar “bom dia”; tratar por senhor e senhora. Mas pode não ser nada ético. Qualquer vigarista pratica esse joguinho social primário sem dificuldade. Essas convenções de aparência são fáceis. Difícil é ser ético.

Não adianta o telemarketing da empresa lhe tratar por senhor ou senhora e agradecer por ter aguardado na linha, se na verdade vai aplicar um logro, como parece ser a regra em segmentos de internet, televisão e telefonia.

Todo ano se reclama desta crise ética. Mas parece que os estudiosos vêm perdendo para uma vontade social embrutecida. O egoísmo triunfou e a esperança parece ter enferrujado. Aqueles comportamentos simplórios, de agradecimento, elogio, ausência de disputa e gentileza talvez sejam pequenos exemplos de comportamento ético interessante. Neste primeiro artigo de 2014 continuaremos a sonhar. Pelo menos o sonho nos dá a certeza de um rumo ético. [Jean Menezes de Aguiar / OBSERVATÓRIO GERAL]



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