Começam a aparecer estudos sérios sobre o “rolezinho”. Mas o que é a prática? Um mero passeio inocente de jovens educados em shoppings centers? Ou uma combinação de jovens para o enfrentamento social, e tumulto? São só duas perguntas ligadas exclusivamente a comportamento. Entre elas o que varia é o bom e velho conceito de “educação”. Nada mais do que isso. Se você já presenciou a prática, sabe mais ou menos qual a resposta.
Seria algo como o happy slapping dos britânicos, em forma grupal? Lá, jovens “atacam” aleatoriamente um passante enquanto outros filmam para postar na internet. Em Direito, qualquer prática que gere dano ao outro, seja material ou moral, independentemente de ser crime, gera responsabilidade. Juízes ingleses vêm condenando aquela prática. Enquanto isso, o rolezinho aqui virou objeto de disputa ideológica, teorética. Jornalística também.
O sociólogo Emir Sader, desnuda o que é o shopping: o “não-lugar”, a não cultura nacional, a não cidade; apenas marcas. Vê-se que ali o consumismo ultrapassa o sonho; é a própria espuma. Guilherme Alpendre, Secretário-executivo da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), circulou e-mail aos associados com textos. Um deles, a antropóloga Rosana Pinheiro Machado, professora em Oxford, fala em “direita coxinha” e “esquerda caviar” e elabora uma “etnografia do rolezinho” considerando “o óbvio: a segregação de classes brasileiras que grita e sangra”, mas evitando a “antropologia vulgar com suas interpretações do tipo ‘que lindo essas pessoas se apropriam das marcas e dão novos significados e agência e bla blá blá prá boi dormir’”.
Já Leandro Beguoci, no artigo “Rolezinho e desumanização dos pobres”, é nevrálgico: “Quando tudo isso chega ao lado de cá da ponte, é filtrado pelas lentes do debate político histérico que tomou conta do país. Tudo parece virar apartheid ou comunismo, direito à livre circulação ou defesa da propriedade privada. Todo mundo tem certezas com base em quase nada. Os blogueiros de direita denunciam a conspiração dos funkeiros contra a civilização ocidental. Os blogueiros de esquerda veem apartheid das elites nos shoppings da periferia.”
Todos esses autores acima têm duas coisas em comum: não pertencem jamais à direita e nutrem profundo respeito pelas classes desfavorecidas. Não há aí um reacionário de plantão.
Discutindo apenas comportamento e não classe social, parece que um conceito se sobressai: educação. Aquela, velha de guerra. Recebida em casa para não se incomodar os outros. Simples assim. Aquela que não visa a enfrentar pelo desafio, oprimir pela grupalidade, subjugar pela covardia da turba. Educação, aquela que é orgulho de toda e qualquer mãe, rica ou pobre, em dizer: meu filho não se mete em brigas, tumultos, guerras de futebol, gangues de ruas etc.
Nada disso se confunde com o rácico e fútil “bom gosto” tão genialmente apontado por Adriana Calcanhoto, na música “Senhas”.
Ao lado da educação, o que está em xeque são comportamentos, não classes sociais. Comportamentos ruins e reprováveis podem ser praticados por qualquer um: rico, pobre, maluco, doidão, feio, bonito, mansão, quitinete, sem teto etc. Charles Chaplin retratou mendigos com comportamentos éticos maravilhosos. Nesta linha exclusiva de comportamentos, considere as 10 perguntas abaixo, propositadamente inseridas na classe média/ricos.
O rico inconveniente, agressivo e sem noção é ruim? O louro sem educação e brigão é péssimo? O branco estupidamente chato e sem compostura é horroroso? A patricinha louro-sueca-wella que “se acha”, e sem ética, é insuportável? O playboyzinho rico lambão, briguento e pegajoso é um terrível? O filhinho de papai bagunceiro e agressivamente desafiador é intragável? A dondoca que fura a fila e ofende pessoas humildes é odiosa? A riquinha na Suv/Uv/carrão nervosa buzinando louca e que nunca dá a vez é insuportável? O mimadinho quatrocentão que viaja em turma e bêbado faz algazarra no avião é um sem educação horroroso? (Marilena Chaui incluiria aí grande parte da classe média paulistana: “Ascensão conservadora SP”, confira no Youtube).
Foram dez perguntas. Se a resposta é “sim” a algumas por aí, você confirma que há “comportamentos”, por si sós, insuportáveis. Conviver em sociedade é também não incomodar o outro. De novo, não interessa se é rico ou pobre, branco ou negro, feio ou bonito.
O mesmo Direito, pela Constituição Cidadã de 1988, que garantiu a democracia, a cidadania, a igualdade de todos, a imprensa livre, também garante o sossego, a paz e a tranquilidade. Correr é uma atividade ótima e saudável. Mas 300 pessoas correndo sem parar dentro de um shopping “talvez” não seja a coisa mais “recomendada” do mundo, para aquele lugar. Sejam ricos ou pobres, feios ou bonitos.
Famílias levam idosos de 80, 90 anos para passear num shopping, tomar sorvete. De novo, famílias ricas e pobres. É claro que há todo um consumismo ligado aos shoppings. Mas será que essas famílias, ricas ou pobres (!!!) podem ser “incomodadas” por uma tal “baderna de enfrentação”?
Educação não é coisa da direita, é coisa de gente pacífica. Rolezinho pacífico, azaração, paquera e amor, zero de problema. Mas liberdade absoluta para se fazer o que se quiser não existe. No Direito não há direitos absolutos. Viver em sociedade é respeitar o outro. Idosos, famílias, crianças, ricas ou pobres. Todos merecem respeito igual. Repetindo: todos.
Nem tudo no Direito é “crime”. A moral influencia todo o direito. Comportamentos insuportáveis merecem reprovação social e isto não tem nada que ver com ideologia. O crime de dano, por exemplo, é igual para todos. Não interessa se cometido por um black bloc conservador ou um revolucionário. Danificou comete o crime, simples assim. O juiz não quer saber a ideologia do criminoso. O comportamento socialmente ruim é igual. Ele, em si, é ruim. Seja de rico ou de pobre. Gentileza é se preocupar com o outro. Só isso. Querer o bem estar do outro.
A antropóloga Rosana Pinheiro Machado diz o que se sabe: “a segregação de classes brasileiras que grita e sangra”. Os governos do PT vêm conseguindo um marco histórico: dessegregar, incluir, ajudar o homem da periferia, o jovem humilde e sem muitas oportunidades. Lula não ficou mundialmente reconhecido à toa. Nem Dilma. Agora falta a sociedade, aquela referida por Marilena Chaui fazer a sua parte. OBSERVATÓRIO GERAL.
[Artigo publicado nos jornais O DIA SP e O ANÁPOLIS, GO]
Categorias:Ruas & Internet