O que você diria se metade dos membros de uma família ou de um edifício vivesse encalacrada com problemas criminais? Certamente afirmaria estar diante de um grupo perigoso de pessoas. Em uma palavra, supostos bandidos. Seriam pessoas que andam e vivem juntas para prática de crimes, safadezas e ilegalidades.
Mesmo com todas as advertências ‘formalistas’ de que só é culpado quem tiver contra si o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, é muita fumaça. Certamente há fogo.
Agora, imagine uma estatística dessas num órgão público. Um local onde se deveria esperar honestidade máxima. Por favor, não ria de mim. Esta expectativa, sabe-se, é fruto do pensamento sonhador, pueril mesmo, o que imagina tenham que ser os agentes do Estado efetivamente honestos.
Para pasmo geral esta estatística existe e está no setor público. Pelo que se sabe, até agora, restrita ao Congresso Nacional. Em Brasília, a cidade projetada por Oscar Niemeyer que, tempos depois disse que deveria ser feita não como um avião, mas como um camburão. Sim, naquele ‘poder’ ao qual trabalham deputados e senadores. Aquele que o Capitão Nascimento no final do filme Tropa de Elite diz que praticamente ninguém ali se salva, referindo-se às ‘autoridades’.
A notícia com a estatística sobre a metade suspeita vem de Rodrigo Janot (foto). Chefe do Ministério Público. A entrevista foi para o site Congresso em Foco.
A revelação deveria causar uma revolta geral no país. Uma mobilização em todas as capitais. Uma vergonha social. Outra oficial. Mas não causa nada, zero. Total letargia social.
Enquanto isso, há um elemento cultural dos mais graves. A uniformização. A estatística infame pelos números altíssimos é concentrada a um tipo de gente: políticos. Pessoas ligadas que se conhecem e frequentam, respondendo a inquéritos ou processos criminais. Esta concentração é para lá de suspeita. Gera uma força sistêmica para o crime.
É possível uma ‘projeção’ desta estatística para o resto do setor público? Espera-se que não. Mas aí a coisa fica pior. Praticamente patenteia a classe política brasileira como ‘vocacionada’ ao crime. Ou no mínimo, à desonestidade. Este fio lógico pode não querer dizer nada, afinal todo programa humorístico do país utiliza deputados e senadores há décadas como ladrões, desde o grande Chico Anísio. Mas agora, finalmente conta-se com alguma ‘estatística’.
Entretanto, tudo ainda é muito secretizado. Os inquéritos e processos, mesmo envolvendo essas criaturas que se lambuzam com o infinito dinheiro público são autoritariamente sigilosos. Isto é uma falta completa de seriedade e transparência. Por outro lado, o sistema nunca foi sério. Não há novidade aí.
Pessoas ocupantes de cargos, funções e mandatos públicos não deveriam gozar dessas proteções a suspeitas de crime. Não são pessoas comparáveis com qualquer um da sociedade. Têm privilégios, benefícios, carteiras, auxílios, trânsitos especiais e poderes que ninguém tem.
Achar que essa metade não é podre porque se trata ‘apenas’ de inquérito policial ou processo penal que ainda não foi julgado, atende a um pensamento formalista da presunção da inocência. Mas é muita coincidência uma estatística assim num confinamento de pessoas homogêneas e ligadas por interesses onde o nutriente banal do dia a dia é o dinheiro público.
As pessoas não são iguais e certas equiparações são no mínimo malandras e cínicas. Sob o modismo de uma igualdade não discriminatória, quer-se que todo mundo esteja na mesma situação. No mesmo saco de gatos. Mas não é assim.
Não existe na sociedade, numa favela, numa rua ou em uma profissão qualquer, estatística dessas. Metade de grupo algum tem problemas criminais. Advogados, médicos, engenheiros, empresários, donas de casa. Ninguém. Só políticos.
Querer transferir a responsabilidade disso para o eleitor é cômodo e escapista. É criar um mega sistema oficial, sempre riquíssimo e com os melhores equipamentos do planeta, mais corregedorias, polícias e fiscais para não dar em nada. Nunca.
Querer transferir também para a lei, escudando-se nela no sentido de ser a culpada é outro cinismo. Falta vontade política e ausência de rabo preso, o que parece ser coisa muito rara por ali.
Nada disso é novo. Serve apenas para um exercício da crítica. Uma que compara coisas e pessoas, afinal ninguém é igual a ninguém. Por isso continuo confiando meus pertences e minha casa à minha empregada doméstica. Para mim ela vale muito mais do que qualquer ‘autoridade’ dessas aí. JMA / OBSERVATÓRIO GERAL
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