Direitos pessoais e o moralismo particular da imprensa

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Há todo um discurso democrático e de liberdade berrado pela grande imprensa brasileira. Ela vem tentando convencer que qualquer tentativa de ‘regulação’ à sua atividade constitui um ‘pecado mortal’. Como se em países europeus, os mais democráticos, a imprensa não fosse regulada. Isto equivaleria, aqui, a se considerar esta liberdade de imprensa um ‘direito absoluto’, coisa que no Direito é uma falácia.

Na Constituição alemã, por exemplo, vê-se expressamente no art 5o, inciso 2, ‘limites’ à liberdade de imprensa nas leis gerais; nos regulamentos legais para proteção da juventude; e no direito da honra pessoal.

No manejo desse discurso brasileiro ‘democrático’, de uma liberdade irrestrita juridicamente irresponsabilizável ocultam-se patrulhamentos moralistas. Disfarçados e subliminares de toda ordem. Invariavelmente contra quem esta imprensa classifica como um desafeto seu.

Muita gente boa, grandes juristas, embarcam, não de todo inocentes, nesse ‘modelo’ brasileiro da imprensa irresponsabilizável. Vez em quando, a qualquer condenação judicial imposta à imprensa, é arregimentada uma tropa de choque de notáveis do Direito como pareceristas graciosos. Com suas fotos e nomes remuneradamente ‘publicitarizados’ em alguma matéria jornalística, opinam unanimemente a favor ‘desta’ liberdade sacrossanta.

Com a jurídica progressão de regime penal de José Dirceu, por exemplo, bichas intestinas da imprensa se contorceram. Setores raivosos que precisam apelidar estigmatizadamente situações que não gostam, purgaram moralismos. Assim, réus viram ‘bandidos’. Investigados já eram mensaleiros. E condenados se tornam pecadores vitalícios. Quem já pagou a pena não tem qualquer ‘direito ao esquecimento’. Mesmo que este seja um instituto jurídico.

Quando se noticiou, nesta primeira semana de novembro de 2014, uma investigação de Robinho sobre um supostíssimo estupro na Itália, ‘lembrou-se’ que ele já foi absolvido noutro caso na Inglaterra. Para que esta lembrança? Falam, as matérias, em absolvição, mas remoem um passado com intriga jornalística e ânsia fofoqueira

Que estes emocionalismo e raivinha compusessem um senso comum de pessoas ‘normais’ que se revoltam é algo compreensível. Mas o profissional da imprensa que, segundo o Livro, deve ter um mínimo de isenção em sua narrativa ou transmissão do fato, já é algo bem mais suspeito.

Nem se diga que o jornalismo tem seu braço opinativo. Se é um artigo assinado por um autor, a crítica é ilimitada, só encontrando balizas no Direito, como qualquer humano. Por exemplo, nos crimes de calúnia, injúria e difamação. Mesmo muitos sonhando com um tipo de ‘imunidade jornalística’ nessas áreas.

‘Jornalista não tem amigo’, ensina o jargão da área que impõe ao profissional noticiar, mesmo contra um chegado. Mas isto não quer dizer imunidade jurídica.

Há programas que ora juram ser cômicos, ora juram ser jornalísticos. Por todos, o Pânico na TV. Quando credencia seus profissionais no Congresso Nacional, para ter acesso às galerias e corredores, promete fazer jornalismo. Mas quando humilha, ofende e expõe ao ridículo, se apressa em usar o véu da comédia, da brincadeira e do humor.

Na saída da cadeia, na progressão de regime penal de José Dirceu também se viram duas imprensas. A do jornalismo não ‘isento’ que, nas entrelinhas capitula à execração por meio de adjetivações contundentes; e a do humor, com um ‘repórter’ do Pânico tentando oferecer dinheiro ao ex-político.

O condenado perde seus direitos à intimidade, vida privada, honra e à incolumidade por danos civis e criminais? Não, claro que não. Seja ele quem for, de que partido político for, ou associação criminosa for. Isto quer dizer que o condenado não se torna, como antigamente, na época dos escravos, uma ‘coisa’, socialmente açoitável. Nem moralmente açoitável.

Algumas partes do sistema jurídico brasileiro têm graves problemas, uns de positivação, outros sociológicos, de cultura e comportamento. O subsistema jurídico de indenização e responsabilidade civil é um deles. Toda a grande imprensa sempre fez o que quis, livre, leve e solta. Salvo raríssimas exceções, nada foi realmente consertado. E vai continuar assim. Apenas um exemplo, o triste e clássico caso de violação da Escola Base. Não se condena exemplarmente porque advogados iriam ‘ganhar muito’. Porque não se quer uma ‘indústria de indenizações’. Há muitos porquês. Alguns razoáveis, outros totalmente lunáticos e risíveis.

Uma coisa é certa. As agressões aos sistemas jurídicos existentes no país que dizem respeito a direitos subjetivo de certas camadas, por exemplo, réus em processos penais; minorias; segmentos discriminados, é um risco cultural. Não apenas teórico. Risco de ser criado um entendimento social maléfico junto à sociedade. O de que réu precisa ser linchado. O de que minorias têm ‘mesmo’ que ser discriminadas. O de que o acusado num tribunal de júri tem que ser condenado de qualquer jeito.

Em casos rumorosos a imprensa tem ‘julgado’, com espaço pífio e editado para defesas e defensores, o que é uma grande desonestidade jornalística. E ela mesma tem condenado. Sem direito a recurso. O perseguido que chore e sofra socialmente.

Grande parte da grande imprensa não tem nada de ‘liberal’ como gosta de proclamar. O instituto jurídico, sim jurídico, da ‘liberdade de imprensa’ concebe uma ‘interpretação conforme’ à Constituição da República que, todavia, não eliminou as garantias pessoas e os direitos subjetivos dos cidadãos. Mesmo que estampados sensacionalisticamente na capa de grandes revistas.

A impressão é que essa grande imprensa ouviu cantar o galo. Mas precisa de aparelho auditivo. OBSERVATÓRIO GERAL.



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