
Esta famosa frase dita pelo Karl Marx (1818-1883) maduro (Marx & Engels, Selected Works), muitos anos depois, ao tomar conhecimento do uso prático de seu materialismo histórico como doutrina e prática política, surpreenderia a muitos nesta atualidade. Principalmente aqueles que não estudam nada, mas adoram xingar o comunismo. Ou aqueles que quando querem ofender seriamente alguém, disparam: ‘Comunista!’ Ui, que medo. Se uma falência cognitiva destas não é motivo de pena, é de gargalhada, de preferência regada a uma boa dose de Stolichnaya.
Estudiosos trabalham com uma significativa diferença entre um programa de pesquisa teórica, de um lado, concebido por Marx como seu ‘materialismo histórico’, e um tipo de simplificação prática, apta a servir – que serviu- de base para um partido político ou mesmo um Estado.
Mas se Marx não adotou o marxismo, as massas e os próprios líderes não adotaram o materialismo histórico, e seguiram como marxistas, conforme Geoff Boucher (Marxismo). É curiosa esta cisão epistemológica que acabou ressignificando o materialismo histórico. Entre estes líderes, historicamente próximos a Marx, veem-se Engels (1820-1895), Kautsky (1854-1938), Plekhanov (1856-1918), Lenin (1870-1924), Stalin (1878-1953), Trotsky (1878-1940) e Mao (1893-1976), devendo-se à figura central de Engels a reorganização separatória entre o marxismo e questões próprias da pesquisa, gerando, então, o ‘socialismo científico’, que dará início ao ‘marxismo clássico’, no chamado ‘século do comunismo histórico’, que vai de 1883 a 1989, da Segunda, Terceira e Quarta Internacionais.
Interessante também é notar a potência histórica e mesmo protraída do marxismo. Ele ‘acabou’, como registram diretamente Alain Touraine (O Pós-Socialismo), ou numa leitura a contrário senso, André Gorz (O Socialismo Difícil), ou ainda numa outra, alvissareira, Peter Sloterdijk (Crítica da Razão Cínica), citando Werner Sombart e suas 130 variedades de socialismo, e quantas mais se dispusesse a achar um qualquer satírico da atualidade. Isso acalma corações e mentes escolarizados no assunto, permanecendo a bela reminiscência poética. Porém, são seus detratores intelectualmente ocos, e bem ignorantes, que parecem se orgasmar em fúrias figadais para manter o movimento vivo, por meio de conspiratórias e globalizantes teorias marxistas que os ameaçam toda segunda feira.
Aí, é ameaça comunista numa semana; globalismo socialista na outra; marxismo cultural na seguinte, e tantas outras asneiras congêneres sem parar. Mas não cessa a pressão da conspiração comunista nas mentes atordoadas e vazias dos odiadores do conhecimento. É claro que em ano eleitoral, essas tantas mentes são emprenháveis por qualquer chaveirinho ideológico. Assim, as teorias conspiratórias acabam sendo o melhor combustível fornecido por políticos ávidos e não necessariamente crédulos nessas idiotizações. É um festival de sandice em nome da lei, da moral e da ordem; ou outra qualquer tríade sabidamente paranazista.
Leitura interessante é a de Émile Durkheim (O Socialismo) em que apresenta contornos práticos para se compreender alguma diferença funcional, mas efetivamente distinguível, entre socialismo e comunismo. Uma belíssima passagem é: ‘Em outras palavras, o comunismo não se dissemina. Os pensadores que ele inspira são solitários que surgem de tempos em tempos, mas que não formam uma escola. Suas teorias parecem, portanto, expressar bem mais a personalidade de cada teórico do que um estado geral e constante da sociedade. São sonhos dos quais se comprazem espíritos generosos, que atraem a atenção e sustentam o interesse em razão dessa mesma generosidade e elevação, mas que, não respondem às necessidades atuais sentidas pelo corpo social, agem apenas na imaginação e são praticamente improdutivos.’
E em relação ao socialismo, na mesma página registra: ‘Muito diferente é a forma como o socialismo se desenvolve. Desde o começo do século, teorias que carregam esse nome seguem umas às outras sem interrupção; trata-se de uma corrente contínua que, apesar de certa diminuição por volta de 1850, torna-se cada vez mais intensa.’ Cita Saint-Simon e Fourier, na França, e Owen, na Inglaterra, para reconhecer simetricamente: ‘nenhum deles considera que suas concepções não são passíveis de serem realizadas com facilidade; por mais utópicas que elas possam nos parecer, elas não o são para seus autores.’
Efetivamente, a anarquia social conhecida como 2022-brasileiro poderia ser o ano brasileiro de Marx. Pelo paradoxo e tormenta neuronal em néscios e atordoados que a coisa provoca. Ou pelo uso malandro – mas igualmente analfabetizado dos políticos com o assunto- em suas teorias globalistas conspiratório-cúlturo-sociais. É uma orgia de desconhecimento.
Talvez um interlocutor erístico – estes que não conversam normalmente, só querem derrotar oponentes- o ano de 2022 seja o ano de sua vida. É a polarização-caviar, lacração para lá, e a praga de reenvio de Wzapp para cá, com provas irrefutáveis – e nucleares- de asneiras credibilizadas por uma subcelebridade qualquer da Internet. Mas atenção: somente aquelas dos grupos escolhidos, escolhidíssimos ideologicamente.
Assim, talvez seja um ano fácil. Não requer conhecimento, estudo, saber, nada. É a imagem viva do Contra-Esclarecimento, só que bem pós-moderno. Basta um celular na mão e o ódio no olhar para o Outro a ser vencido, ou xingado. De quebra, a manutenção da sanha do comunismo. O comunismo não pode morrer, afinal, xingar alguém de, é fácil e atalhoso. Se o comunismo sai de cena, esta gente tosca terá que estudar, esse verbo odioso. Isso ser-lhe-ia a morte. Ou apenas o que a filosofia chama de aporia.
PS. O estudo? ‘Salva’ não … apenas arrefece a sua própria raiva com esse seu anticomunismo antropofágico.
PS2. Para não dizer que não falei de Vandré, ou de flores: quem passar por 2022, vencerá, principalmente com ‘o’ expurgo. Sacou?
Jean Menezes de Aguiar
Arte exclusiva: Leo Rocha