A crise na música profissional no Brasil é antiga. Djavan, Tim Maia, Ivan Lins, deuses da MPB precisaram abrir estúdio em casa. Isso apenas para citar alguns nomes. O maestro Júlio Medaglia conta que as quatro principais gravadoras de São Paulo demitiram os diretores musicais e contrataram, no lugar, “diretores de marketing”. É grave a crise. Com a invenção da música caipira estudantil, rurícola universitária, ou coisa semelhante, esta de três acordes, a crise foi imposta. O gosto musical, este aí, também foi imposto, se é que é possível. Fagner reclamou, foi calado pela gravadora e obrigado a se desdizer. Lulu Santos também. Episódios barulhentos.
No domingo, 6.out.2013, ouvia-se uma música ao vivo de muito boa qualidade no Parque Ibirapuera. Um jazz bem tocado, “redondo”. Dava para perceber que ali havia músicos profissionais. Desses que estudam longos anos para tocar com naturalidade e segurança. Estudam solfejos, escalas, intervalos, diminutas, quiálteras, ritmos compostos, claves, improvisos etc. O músico precisa de tudo isto e muito mais. Precisa também passar anos “ouvindo”, um dos grandes “segredos” do músico. Ouvir para apurar os sentidos, e mesmo o gosto.
Mas no Parque, quando se aproximava da boa música via-se um quadro que seria patético, se a música não fosse de qualidade. Daí o cenário passava a ser um tanto quanto triste.
Os músicos tocavam como se veem nas imagens. Ou seja, precisam se fantasiar de cavalo e “ursinho” para conseguir público. O efeito da “tragédia” é que alguns pais, não poucos, levavam os filhos não pela arte, não pela música, não pela educação jazzística ou musical. Mas pela espuma do lúdico-alegrinho. Crianças que não são ensinadas a ouvir, prestar atenção, se encantar com melodias e ritmos refinados, mas apenas ficam apontando abismadas de seus mundos inocentes como é que um cavalo toca bateria ou um ursinho executa um saxofone. Repare-se nas imagens que, provavelmente o excelente saxofonista toca às cegas. Para não desconfigurar a fantasia, sua boca fica na altura da boca do urso, mas seus olhos provavelmente não veem nada. Ou se veem, pouco importa, verão uma atenção preocupada com o tal do “lúdico”.
Não se trata de patrulhar este “tipo” de arte. A arte musical pode ser lúdica. Mas, certamente, atrás daquelas máscaras há músicos “tristes”. Gostariam de se apresentar como verdadeiros artistas, de cara limpa, sem o horror de máscaras para atrair crianças e esmolas. A esmola no metrô de Nova Iorque, aos músicos, pelo menos é de cara limpa. “Esmola”, sabe-se, é um termo péssimo, que assusta. Mas a sociedade precisa ouvir o termo e o seu sentido. Já bichos são a coisa mais linda do mundo. Mas quando um músico profissional vê esta cena certamente tem uma ponta de dor e revolta pelo colega. A que ponto se chegou, na sociedade cruel brasileira, para um bom artista. Um bom músico precisar se fantasiar para mostrar sua arte, não por ela em si. Mas por outra arte, infantilizada, disfarçada.
O OBSERVATÓRIO GERAL presta homenagens a esses bons músicos que podem ser vistos no Facebook em http://www.facebook.com/saxinthebeats/photos_stream). A ideia deles pode ter sido genial enquanto uma novidade legítima para sobreviver. Mas “sobreviver” é algo que não deveria combinar com a música profissional de qualidade. Que a sociedade ensine a seus filhos o som dos bons músicos que aquele “cavalo” e aquele “urso” fazem. E outros tantos pelo país.
[Este texto foi escrito por um músico profissional, “escondido” atrás do jornalismo]. OBSERVATÓRIO GERAL.
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