[G1]. Humorista foi entrevistado na abertura pelos cassetas Hubert e Reinaldo.
Nesta quarta, ele lembrou histórias de Millôr, homenageado no evento.
Em um tom diferente, com muitas risadas e conversa leve, a 12ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) começou na noite desta quarta-feira (30) com lembranças da vida do humorista Millôr Fernandes (1923-2012), homenageado nesta edição do evento. Na mesa “Millormaníacos”, Reinaldo e Hubert, do grupo Casseta & Planeta, entrevistaram o cartunista Jaguar, que provocou gargalhadas ao recordar seu convívio com Millôr. Um dos episódios citados envolvia uma cusparada que certa vez o amigo tomou de Chico Buarque, seu então desafeto, num bar. “O Millôr jogou tudo que tinha na mesa em cima do Chico, errou e acertou no garçom”, contou entre risos – dele e da plateia.
O G1 transmitirá ao vivo todas as mesas da Flip 2014, tanto com áudio traduzido (se a palestra não for em português) quanto com áudio original.
Alguns dos maiores aplausos para Jaguar vieram quando ele contou de histórias pessoais, que não envolviam necessariamente Millôr. Dentre elas, mencinou a época em que ficou preso, durante o regime militar.
“Foi o melhor período da minha vida, ficava o dia inteiro sem nada o que fazer e bebia, não tomava banho, parecia um farrapo humano. Levei ‘Guerra e paz’ para ler”, comentou. “Mas não fui torturado. Foi um período maravilhoso. E ainda por cima com pinta de herói. Depois que a gente saiu, as moças todas estavam encantadas com a gente. Quando eu conto esass histórias, o Ziraldo fica chateado, [fala]: ‘Você desmoraliza o nosso heroísmo’. Mas foi muito bom.”
Logo no princípio da conversa, Jaguar confundiu-se com algumas datas e sequências de fatos do passado, em especial na época do jornal “O Pasquim”. Alertado por Reinaldo de que estava misturando as coisas, atribuiu o erro ao fato de ter parado de beber. “Eu, quando bebia, não tinha amnésia, agora eu tenho. Tenho ‘amnésia abstêmica’, embaralho tudo.” Foi o primeiro momento de risos mais intensos do público.
Mas Jaguar não abriu mão de exaltar Millôr. “Foi o cara que mais admirei na vida”, afirmou, listando as habilidades do amigo como “intelectual, tradutor e escritor”. “Ele só não era poeta porque acho que era inteligente demais pra ser poeta.”
Outro momento de aprovação veio quando Jaguar leu trechos de um perfil de si próprio escrito por Millôr. Terminava assim: “Costumo lhe dizer, Jaguar, que com seu talento eu não estaria aqui, estaria no corredor da morte nos Estados Unidos”.
Mesmo numa passagem autoirônica e autocrítica, o “entrevistado” da mesa Millormaníacos saiu-se bem. “Sempre detestei professores, um cara que fica falando, ditando regras para um auditório indefeso. Fui expulso de uns cinco colégios por causa desse problema. E aí me vejo, a esta altura dos acontecimentos, aqui. O que vocês querem de mim? Eu não tenho nada para oferecer.”
Perto do fim do debate, que durou cerca de 45 minutos, uma integrante da produção mostrou a Hubert uma placa. “Temos dez minutos”, falou ele, em voz alta. “Tudo isso? Eu estou completamente sem assunto”, devolveu Jaguar.

abertura (Foto: Flavio Moraes/G1)
Conferência de abertura
Pouco antes dos “millormaníacos”, houve a primeira atividade oficial da 12ª Flip: a conferência de abertura, a cargo do crítico de arte Agnaldo Farias. Foi uma apresentação de slides comentada, mas sem texto sendo lido, tudo no improviso. O público não pareceu reprovar, embora os risos tenham sido discretos do que ocorreria na mesa de abertura.
Nos telões da Tenda dos Autores, Farias ia mostrando desenhos e trabalhos similares do homenageado do evento. Queria, expressamente, tratar “do lado plástico do Millôr, [que] foi pouco avaliado até hoje”. A ideia era valorizar uma produção feita, sobretudo, para a imprensa, e não para galerias.
Quem por acaso não conhecesse a obra Millôr sairia dali certo de que se tratava um artista (“um gênio”) que sabia ser “tosco, incoerente”, nas palavra de Farias, e ele que disse isso em tom elogioso. “Enfim, um grande artista sem estilo”, afirmou, citando o próprio Millôr. “Interessante, [era] uma pessoa tão consciente da sua genialidade… Quando isso acontece é extraordinário.”
Farias fez esforço eventual para evitar o clima de aula e segurar a atenção dos presentes, apesar de expressões como “erotização da linha”, “processo de transmutação”, “cor convulsa”, “figura um tanto picasseana”, “bruxuleio das cores” e “nariz garatujado”. E resumiu: “Falar de Millôr é falar de um erudito”.
Em dado momento, no entanto, o crítico citou João Gordo. “Vocês se lembram do João Gordo dizendo que fazia análise e que foi expulso do grupo de amigos punks dele porque punk não faz análise?”, perguntou. Para ele, essa “incoerência” apontada pelo cantor do Ratos de Porão também se verificava positivamente em Millôr Fernandes.

(Foto: Flavio Moraes/G1)
Frases de Millôr
Antes da palestra de abertura, o sistema de som da Tenda dos Autores transmitiu algumas declarações de Millôr Fernandes, e o público que entrava no espaço ria ao final de cada uma delas.
Dois exemplos: “Meu nome é Millôr Fernandes, o que não é nenhuma novidade mas ainda não é nenhuma garantia” e “Fiquei famoso em várias partes do mundo, todas elas no Brasil.” Também brincou que, quando criança, fazia aulas de piano e que, a cada erro, o professor lhe batia na cabeça com um jornal. “Assim comecei a aprender jornalismo”, completou.
Em sua breve apresentação, o curador desta edição do evento, Paulo Werneck, começou falando sobre o dia ensolarado em Paraty – “um dia milloriano”, comparou.
Segundo ele, esta é “a Flip do Millôr, muito calorosa e muito divertida”. Também lembrou escritores mortos “nesta piada de mau gosto que foi o mês de julho”. Falou por exemplo da sul-africana e ganhadora do Nobel Nadine Gordimer, que participou da Flip de 2007, de Ariano Suassuna e ainda o bibliotecário e pesquisador Edson Nery da Fonseca.
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“Quem fala muito mente sempre, porque se esgota seu estoque de verdades.”
MILLÔR FERNANDES