O OG entrevista Alejandro Zenha, arquiteto e fotógrafo de paisagens humanas, concretas e nuas, em interessantes composições de texturas visuais e instigações de uma existência às vezes esquecida: o corpo, não para o fácil consumo publicitário, mas para encantamento de uma alma que só a arte consegue revelar. Também não seria o corpo referido por Michel Foucault, na obra Vigiar e punir, quando estuda o castigo: ‘é sempre do corpo que se trata – do corpo e de suas forças, da utilidade e da docilidade delas, de sua repartição e de sua submissão’. Aqui, a arte evoca outros sentidos também dramáticos, intelectuais ou táteis, mas fornece o que somente ela costuma sugerir: prazer. Surpreenda-se com as imagens e as sensações. OG.
Jean Menezes de Aguiar –OG – Alejandro, obrigado pela entrevista. Comece falando um pouco de você, sua formação e atividades, como lhe contatar para ensaios, etc.
Alejandro Zenha – Eu que agradeço o convite. É um prazer. Sou graduado em Arquitetura

Alejandro Zenha e modelo
e Urbanismo pela PUC-GO, e atuo junto ao meu escritório desde 2005. Foi durante o curso, numa matéria optativa, que me deparei com a fotografia. Mas a arte faz parte do meu cotidiano desde muito cedo, sou artista plástico, assim auto intitulado e participei de algumas exposições individuais e coletivas. A última e mais importante foi a individual intitulada “Ao quadrado”, em 2009, na Potrich Galeria de Artes, em que busquei referência no urbanismo e na cartografia. De lá pra cá a fotografia acabou tomando conta do lugar antes dedicado à pintura e ao desenho.Entre minha primeira câmera semiprofissional, ainda analógica, e minha primeira digital, houve um hiato de mais de dez anos. Por mais que eu me identificasse com a linguagem fotográfica, a ideia do ‘fotógrafo voyer’, a mercê da natureza ou de acontecimentos sociais e culturais, nunca me convenceu totalmente, só agora tenho liberdade e maturidade de fazer o que sempre quis: produzir imagens do zero utilizando-se do nu.
Para mais informações disponibilizo Instagram (@alejandrozenha), Facebook (/alejandrozenhafotografia) e site (www.alejandrozenha.com.br).
JMA -OG – A encomenda da entrevista com você se tornou um pouco ‘difícil’ pela sua simetria, ou equilíbrio honesto em, ao lado do corpo nu feminino, que costuma ser o padrão para o público em geral, você contemplar o nu masculino, ainda bloqueado por tabus ou desconfortos sociais. Afora o ‘gosto’ estético ou cênico entre um e outro gênero de nus, de cada expectador, como você vê essa ambivalência em você, como fotógrafo? É mesmo um ‘gosto’ bilateralizado, organizado genuinamente em você, ou como fotógrafo você se impõe a impessoalidade, entre nus de homens e de mulheres?
Alejandro Zenha – Costumo brincar e dizer que sofro de ‘Complexo de Álien’ – em referência ao filme – só preciso de um corpo, qualquer um. Abordo a nudez de homens e mulheres da mesma forma. Na minha obra autoral, principalmente na ‘Série Territórios’, a qual desenvolvo atualmente, me preocupo muito mais com a sintonia entre os modelos e o entorno enquadrado do que com gênero e sexualidade.
Entendo que a dificuldade, que você mesmo assumiu, de convivermos com a nudez masculina seja algo real e corriqueiro, infelizmente. Muito se deve, na minha opinião, de se ligar a nudez ao sexo: para nós, um corpo nu é necessariamente erótico. E isso é uma grande inverdade, principalmente se focarmos na história da arte. A linguagem do corpo vai muito além disso.
A exploração da nudez feminina aliada ao machismo, acabou contribuindo para que o corpo da mulher fosse mais aceito imageticamente falando, ligando o homem nu ao homoerotismo: enxergar o belo numa cena em que aparece um genital masculino, sem se ligar à pornografia ainda é um tabu a ser quebrado.
Recentemente passei por uma situação muito ilustrativa deste pensamento, tive meu trabalho publicado em um site que aborda assuntos diversos, dentre eles a fotografia de nu, o que causou uma enxurrada de comentários negativos, em contraponto a grande maioria dos outros ensaios ali publicados que estão dentro do padrão ninfeta-sexy. A maioria dos comentários tinha cunho homofóbico ou pejorativo em relação ao corpo do modelo, se referindo ao nu masculino como ‘algo feio de se ver’. Isso retrata como ligamos o corpo ao sexo e a atração física, como se a única função da nudez fosse a ‘satisfação da carne’. Não é.
JMA-OG – A linguagem do preto e branco na fotografia remete, eu diria, a uma expectativa de tragédia sensitiva, impactação por fartas sombras ou desejo de deixar inexplicados alguns detalhes que a cor torna exuberante, ou óbvio pelo excesso de nitidez. Mas por esta razão o PB requer uma ‘mão’ fotográfica bem mais precisa. Você quis esconder algo nos corpos, não revelar, ou pensou em transgredir pela autorização livre da imagem surpreendente? Ou não quis nada disso?
Alejandro Zenha – Meu mundo é preto e branco, quem trabalhou comigo já me ouviu repetir isso inúmeras vezes. Você pontuou tão bem quando falou em ‘tragédia’, mas eu pegaria mais leve e falaria em ‘drama’, e é exatamente isso que no preto e branco mais me encanta. O fato de ele não revelar tudo torna a trama mais envolvente e convidativa, o cinema imprimiu isso muito bem, como se a imagem dependesse do observador, uma quase edição final que cada um pode fazer. Mas, creio que, aqui, o jogo de esconde-esconde não tem a ver com nudez ou partes do corpo, é algo mais imagético e filosófico.
Se levarmos em conta o bombardeamento de cores que sofremos diariamente, seja pela publicidade, pela moda ou pela poluição visual das grandes cidades, a escolha do preto e branco como linguagem estética pode, sim, ser algo transgressor. Mas no meu trabalho ele funciona quase que como um filtro, me permitindo diluir os componentes na cena, penso. O corpo passa a fazer parte dos elementos que o cercam, não há protagonista aqui, todos têm – modelo e cenário – mais ou menos a mesma textura uniforme. A intensão talvez seja a proposta da nudez assexual, permitindo que outros aspectos da cena ganhem destaque, como a fluidez entre corpo e arquitetura, por exemplo.
JMA-OG – Para ajudar os interessados, que equipamento usa? A lente é retratista fixa ou é zoom? Fez tudo em raw e retocou depois? Tripé sempre ou na mão? Bate o branco? Algum tipo de rebatedor ou só luz natural? Trabalhou com equipe ou foi algo fechado?
Alejandro Zenha – Atualmente uso uma Canon 7D, a grande maioria dos meus cliques foi feita com uma lente fixa 50mm, 1.4. Particularmente não sou íntimo do tripé, raramente uso. A câmera na mão me dá a liberdade que preciso para compor a imagem.
Todas as minhas fotos são tratadas, a edição acontece principalmente em relação à textura do preto e branco.
Sim, o balanço de branco é importante, mas é um recurso que uso quando trabalho em cores.
A luz natural, dura, é minha grande aliada, mesmo quando ilumino artificialmente uso luz contínua em LEDs, que, considero, próxima da natural.
Trabalho quase sempre sozinho, durante as fotos apenas eu e os modelos. Já percebi que isso passa segurança ao retratado e estreita nosso diálogo, o que qualifica diretamente o resultado final.
JMA-OG – Utiliza alguma maquiagem nos modelos? As cenas foram imaginadas por você ou eles contribuíram?
Alejandro Zenha – Como trabalho em séries e com ensaios independentes entre si, em alguns casos, sim, a maquiagem já foi um artifício usado, até mesmo no intuito de se criar um personagem. No entanto, na minha principal linha de trabalho autoral, o corpo vem cru, sem qualquer maquiagem ou acessório, me interesso pelo corpo neutro.
É um trabalho conjunto, minha associação com os modelos é de suma importância para o resultado. Busco extrair deles, principalmente quando fotografo bailarinos, toda a plasticidade que têm a oferecer – lembrando que plasticidade, aqui, não tem exatamente a ver com padrão de beleza, mas com a linguagem a que me proponho. Deixo os modelos livres para intervirem, até porque sempre vêm para o ensaio já conhecendo minha linha de raciocínio. No entanto, as cenas quase sempre partem de mim, como um norte para, depois, criarmos juntos.
JMA-OG – Numa comparação entre o fotógrafo ‘artista’, um que busca mais a sensibilidade impactante, ou o momento da captura nevrálgica, incluindo-se aí até uma porção de fotojornalismo ou de episódio único, e o do fotógrafo técnico, aquele mais preocupado com toda a possibilidade de uma fotografia calculada, como você se classificaria, como mesclaria essas posições na fotografia? Com o mundo digital percebe algum tipo de migração da arte para a técnica? Quais são seus fotógrafos inspiradores na atualidade?
Alejandro Zenha – A arte me levou até a fotografia, logo não consigo dividir uma da outra. Mas entendo que a fotografia é uma vertente da tecnologia, não tem como atuar neste campo sem um mínimo de domínio técnico do que se propõe a fazer, afinal estamos lidando com maquinário. Para tirar a imagem da cabeça e imprimi-la no papel, é preciso entender de fotometria, foco, edição e tudo o mais que cerca este universo. Penso que meu trabalho esteja na união da técnica com a intuição. Talvez este pensamento tenha a ver com minha formação acadêmica – a Arquitetura caminha também por esta via que une cálculo a sensibilidade.
Para mim a arte é essencialmente técnica, por mais intuitiva que seja. Se pegarmos a pintura absolutamente gestual de Jackson Pollock, por exemplo, veremos que, em meio a todo aquele caos, há o total domínio da tinta. Observo o mesmo na obra de Pina Bausch: para ela conseguir fazer o simples ato de sentar e levantar, initerruptamente, abranger o universo coreográfico, sem dúvidas ela precisou dominar a técnica da dança.
O mundo digital é a bola da vez, mas a busca pela capacidade de se gerar emoção, nunca será suprimida.
As redes sociais facilitaram, e muito, o acesso a artistas e referências e poder acompanhar o processo criativo de fotógrafos renomados é incrível. Gosto muito do trabalho do Jorge Bispo, quando ele retrata o corpo nu em seu estado quase bruto; Mário Testino, por tirar o mundo da moda do seu lado mais previsível e enfadonho; Spencer Tunick, por trabalhar o corpo nu de forma modular, criando ou interferindo em paisagens; da nova geração cito Evelyn Bencicova, da Eslováquia, que confere à pele dos modelos um tratamento quase artificial e que também trabalha sob a influência da arquitetura.
Mas, impossível não citar os fotógrafos da “velha guarda” – Araki Nobuyoshi que abordou o universo fetichista do sadomasoquismo com uma plástica impecável e, por fim, aquele que considero um grande mestre, o americano Joel Peter Witkin, que, dentre suas destrezas, extrai beleza e poesia mesmo fotografando cadáveres e deformidades genéticas.
JMA-OG – O que lhe soa mais ‘fácil’ ou atraente para trabalhar, o mundo histórico fotográfico do pós-Guerra, consideradas as décadas de 50 e 60, quando tudo era originalmente preto e branco, ou o atual cenário com a explosão digital de cores, como se você tivesse que andar na contramão dessa pirotecnia visual? Você olha o PB daquela época com uma certa nostalgia-encanto no sentido de ter querido viver ali, ou consegue construir seu universo nessa atualidade tão em negrito de cores?
Alejandro Zenha – Considero o PB daquela época uma limitação técnica, devido às dificuldades de se produzir imagens coloridas. O preto e branco, na minha obra, é uma opção estética, uma linguagem. Reconheço a maestria dos profissionais daquele momento em conseguir um resultado tão incrível, se compararmos com nossos equipamentos atuais, mas não chega a ser um olhar nostálgico. Provavelmente minha ansiedade nata não se daria bem com limites regrados de poses por filme.
Hoje, a cor é mais um instrumento à disposição da fotografia, e a liberdade de se optar em usá-la ou não, a meu ver, exclui o sentimento de se “andar na contramão”. Continuo acreditando que o artista seja fruto e filtro do seu tempo.
JMA-OG – Considerando o nu em si, de novo, tem uma ‘saudade’ artística [histórica] dos corpos não muscularizados em academia de ginástica, enquanto elemento cênico para a imagem, ou a atual busca por uma ‘perfeição’ física contribui para a fotografia e chega a enriquecer a imagem do nu? O corpo possui seu ‘natural’ enquanto conceito, ou esta ‘melhora’ muscularizada do corpo é o novo padrão de beleza?
Alejandro Zenha – Acredito que a busca pelo corpo considerado belo não seja privilégio do nosso tempo, a história nos mostra isso. Padrões sempre existiram, o sobrepeso renascentista ou o bronzeado unanime na fotografia publicitária dos anos oitenta são igualmente frutos de conceitos de padrão. Realmente não tenho nada contra padrões. O importante é como isso é recebido por cada um de nós e isso é pessoal.
Não é a primeira vez que me deparo com esta questão. Recentemente, via rede social, recebi uma crítica negativa por ‘só fotografar modelos dentro do padrão’. O debate que levantei foi sobre qual padrão a crítica se referia.
Se não faço parte do padrão ‘capa de revista fitness’, provavelmente faço parte do padrão ‘boy de humanas’ ou do padrão ‘nerd de óculos’ ou, ainda, do ‘careca de barba’. Estamos todos dentro de algum padrão.
JMA-OG – Costuma fotografar o ‘feio’, ou o feio não existe, como situa esta questão na fotografia principalmente numa atualidade em que a TV, por exemplo, tem como ponto de corte das bancadas jornalísticas as mulheres com mais de 45?
Alejandro Zenha – Sim, o feio existe. Parafraseando Alfred Kinsey, que disse que ninfomaníaca é a pessoa que gosta de sexo mais do que você, eu diria que feio é aquele menos bonito do que você. E isso serve para além do corpo – uma situação considerada bela, precisa de uma considerada não-bela como referência.
Posso dizer que uma mulher de 50 anos seja linda, que suas rugas, seu cabelo grisalho ou sua flacidez proeminente, que são parte do seu currículo de vida, façam dela indiscutivelmente bela, no entanto, se meu interlocutor for alguém que tem como referência de beleza a diva da música pop, talhada pelos bisturis da publicidade, provavelmente meu discurso será fadado ao nada. O feio, felizmente, não é unanime, mas isso não faz dele inexistente, no máximo o torna relativo e pessoal.
A televisão é um produto, a mercê do seu consumidor. Entendo que ela poderia se utilizar do seu poder e mudar isso de certa forma, mas também a vejo como um retrato do seu tempo. Se assim ela é, é por que assim a fazemos. A fotografia sofre a mesma interferência, hoje é praticamente impossível não reconhecer o poder da selfie e a facilidade de se editar uma imagem recém feita. Cada um pratica seu próprio conceito de belo.
Fotografo genitais, pessoas amarradas, pessoas ‘sem cabeça’, provavelmente muitas das minhas imagens serão consideradas feias, mas essa é uma definição que não cabe a mim decidir, deixo para o observador.
JMA-OG –Seus modelos são belos e ‘coerentes’, inclusive e principalmente o homem gordo, entre o coração vazado na cadeira e o pote, à altura da cabeça, numa tríade artística interessante. Trabalha com eles habitualmente? Dê o crédito deles e comente-os, convidando-os a ler sobre eles próprios, por Alejandro Zenha.
Alejandro Zenha – Vou tomar a liberdade de voltar à última pergunta: quando você define ‘modelos belos’, imagino que você também saiba definir ‘modelos feios’, e é esta subjetividade de interpretação que faz o universo da arte tão excitante, enfim.
Tenho relativamente pouco tempo de atuação como fotógrafo de nu, meu primeiro ensaio de fato data de pouco mais de dois anos, mas considero uma produção relativamente intensa, já trabalharam comigo mais de 40 modelos, a grande maioria composta por voluntários que se identificam com minha obra e me procuram através do site ou das redes sociais.
Agradeço e ressalto sua percepção em relação a tríade a que você se referiu, são leituras assim que justificam o tempo gasto em compor a imagem com o intuito de dizer algo muito além de um corpo nu bem posicionado e, se você observar, a composição da máquina de escrever, do banco e do pote, obedece à mesma proporção do modelo, ocupando seu lugar ao lado oposto da mesa, fazendo do conjunto algo simétrico, equilibrado. Geralmente não tenho oportunidade de explicar imagens prontas, mas após sua observação certeira, isso se tornou irresistível.
Como disse, meu trabalho autoral é todo feito com voluntários e eles são minha matéria prima e principal fonte de inspiração, como já falei em outras oportunidades, por isso não me sinto à vontade em nomear e dar crédito a alguns, pois reconheço a importância da contribuição de cada um deles.
Mas, para não ficar tão em cima do muro, faço uma leitura conjunta de todos que já se permitiram ser fotografados por mim. A maior parte me conheceu pessoalmente no dia do ensaio, o que só aumenta a ansiedade prévia, um deles me confessou que, pouco antes de chegar ao local das fotos, se viu procurando uma desculpa convincente para desistir do ensaio. A curiosidade de se ver fotografado nu sempre fala mais alto do que qualquer timidez.
Talvez eles não percebam, mas, sempre que posso, começo fotografando de longe, o máximo que o local me permitir e, se não estou com a câmera no olho, estou de costas para eles. Tenho uma máxima em mente: modelo que desistiu da toalha ou do roupão entre as fotos e já anda pela locação, é modelo à vontade. E é nesse momento que tudo começa.
Assisto de camarote as mudanças sutis de comportamento, a timidez perde lugar para a segurança e o resultado final quase sempre é definido pelo modelo como sendo libertador. A oportunidade de ter a nudez alheia como instrumento das minhas convicções e poder me expressar através dela, faz do meu trabalho, no mínimo, fascinante.
Imagens: Alejandro Zenha.
Categorias:Fotografia e cinema
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