Relacionamento aberto – modernidade ou modismo? Tragédia ou vida?

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Parece existir certa cobrança com alguns valores ‘novos’. É como se eles entrassem na moda e falar mal deles se tornasse uma infâmia. Pelo menos em certos núcleos intelectuais descolados. Assim é com o conceito de  ‘tendência’, tipo de expectativa do presente que pessoas in criaram. Alguns valores icônicos neste presente imediato, mas condicionado, se tornam tão blindados que viram tabu. Ainda que possam ter efetivamente valor real, verdadeiro e interessante, e nem precisassem de tanta proteção assim.

 

Por outro lado, a mera passagem do tempo com a renovação de o que se chama ‘modernidade’ facilitou convívios, inventou relações, tirou preconceitos que atormentavam pessoas inocentes que apenas queriam se dar ao outro, trocar amores, experimentar sentimentos e testar a vida. O que fosse. Vê-se aqui outro modo, menos teorizado, sem rótulos e sem guerrilhas de afirmação. Apenas um viver real, doméstico, vizinhal e comum para muitos.

 

De uma forma ou de outra, seja numa vida facebookiada ou numa vida sem tanta exibição, todo mundo não escapará de ser ‘julgado’. Ou porque se exibe, ou porque é ‘antipático’ em não se mostrar. Não há saída.

 

Christian Delacampagne relata que Gustave Courbet tinha um amigo que acordava nas madrugadas berrando ‘julgar, eu quero julgar!’ Muitos só querem julgar [preconceituosamente] os outros. Como se alguém pudesse julgar alguém. Ninguém pode, e todos julgamos. Aquele pedido acanhado que pessoas humildes fazem quando recebem uma visita – ‘não repare!’-, carrega a subnarrativa: ‘por favor não julgue’. Nunca adiantou.

 

Assim, o que dizer do título, relacionamento aberto? Um casal que, por não se bastar – ou por qualquer razão outra, infinita-, opta por se relacionar com terceiras pessoas. É claro que o julgamento entra pesado, principalmente numa sociedade ultramoralizada como a brasileira.

 

Alguns já gritarão: se é casal tem que ser dois e não mais que dois, se não é traição. Nessas cabeças também poderá ser a palhaçada do ‘pecado’, ou a cafonice da ‘pouca vergonha’, moralismos híbridos. Se não ao parceiro, a algum deus-24-horas que patrulha mitologicamente a relação.

 

Novidades sociais, como relacionamentos diferentes, infelizmente têm arrastos psicanalíticos na sociedade. Geram olhares desconfiados, estranhos e inconfessáveis.

 

O relacionamento aberto entre pessoas que se amam, ou não, não é uma panaceia. Talvez nunca seja ‘a solução’. Esta provavelmente não existirá ‘mais’, com a ortodoxia da esperança, ou o fatalismo do sonho.

 

Talvez seja, o relacionamento aberto, uma das grandes tragédias de uma sociedade líquida, ou o que o próprio Zygmunt Bauman se referia a ‘lânguido desejo de desejar’. Mas nem isso interessa. Não é o valor atrelado que poderá importar, mas apenas a forma aberta respeitosa, numa sociedade então mais gentil.

 

O fato é que o conceito e mesmo a experiência do relacionamento aberto, indelevelmente, pertencem à vida. Os animais já experimentam esses sentidos sem o moralismo social humanoide. Só este pertencimento à vida – os relacionamentos não são de Marte-, já o naturaliza, não porque devemos ser considerados o que efetivamente somos – animais- mas porque como animais que somos conseguimos criar o conceito, a poesia, a arte, e o maior dos constructos sociais: o amor.

 

Há quem queira certa ‘animalidade’ no relacionamento aberto, ou uma incontrolabilidade no olhar para fora. Pode até ser; mas a característica do humano é justamente sua inteligência conceitual; uma análise de risco; e previsão de consequência. O ciúme continua sendo um ingrediente em muitos casos incontrolado, inclusive à morte. Principalmente numa sociedade passional como a brasileira.

 

A biologia explica coisas. Frans de Waal, no livro A era da empatia, ensina que os animais fazem sexo porque sentem atração, não porque identifiquem a ligação entre sexo e reprodução. O ‘prazer’ – infelizmente, diria o moralista; ou desgraçadamente, diria o trágico-, pode ser o elemento mais poderoso para uma futura sociologia do relacionamento aberto. Será que o moralismo conseguirá ‘controlar’ o prazer?

 

Relacionamento aberto tem seu capítulo icônico. Simone de Beauvoir–Jean-Paul Sartre. Dela, apelidada por ele de ‘Castor’, se soube recentemente uma mulher jovem atraente fisicamente, numa foto em nu feita à sua revelia por um amigo que ela nem gostava. Dele, como relata Maurice Cranston, na obra Sartre, ‘é um homem baixo, atarracado, apreciador de cachimbo, mal vestido, caracteristicamente feio, mas extraordinariamente atraente e irresistível, em virtude de sua presença tensa, muscular, ágil e poderosa: ele é um homem que parece arder de intensidade moral’. Michel Winock (O século dos intelectuais) sobre o casal conclui: ‘Ali ela conhece Sartre, o mais atraente, a seu ver, porque o mais demoníaco’.

 

Um relacionamento aberto talvez exija cabeças assim. Marginais, transgressivas e fora do seu tempo. Não é opção para qualquer burocrata do sexo ou escriturários do amor. Não basta querer. A educação, a cultura e os sentimentos aprendidos numa ‘normalidade’ social são grandes limitadores.

 

Românticos e sonhadores talvez tenham dificuldade com a coisa. Tragediosos e exagerados que se apaixonam até por prostitutas e as veem como suas rainhas chicobuarqueanas, em poesias alcoolizadas de mesas de bar, enfrentariam ciúmes figadais nesta estrada. E, claro, nem se precisa ir a tanto.

 

Comedores compulsivos e machões com intelecto confinado na glande também terão problemas com o conceito. Pelo que se percebe, o relacionamento aberto exige respeito e regras razoavelmente estáveis, mas também inteligência e cuidado que certamente não serão próprios do predador mundano, o homem que pensa a mulher pela nádega.

 

Talvez o conceito se situasse num meio termo entre um conservadorismo fedorento e preconceituoso, desses que estupram a sociedade com a mentira da ‘família’ nas plataformas eleitorais retrógradas, e, do outro, um pseudomodernismo do vale tudo desinteligente.

 

A hipocrisia será muito mais fácil de ser encontrada nesses extremos. Nem a reserva de mercado da ‘família’ se sustenta mais, ou é cura, com a nova-solidão, a mesma que vem relativizando a felicidade neste século 21 ainda despersonalizado, nem a vida desregrada resolverá. O equilíbrio continuará a prevalecer.

 

De aí, duas opções. Ou o relacionamento aberto se firmará como um novo equilíbrio, ou representará uma terceira via de extremo, também problematizada.

 

Algumas conclusões genéricas e ‘atuais’ se impõem.

 

Do mesmo jeito que pessoas puderam se juntar qualitativamente como bem querem, deverão poder se juntar quantitativamente como bem quiserem. Isto não afastará, de modo algum, as uniões ‘comuns’ de duas pessoas. Nem afetará as relações fechadas; jamais. Mas poderá ser um início de caminho para o casamento plural, o temor maior dos conservadores.

 

Outra conclusão é que talvez não se consiga mais barreiras morais para a mera evolução da força da vida em sociedade, uma vez que se dê uma vontade minimamente generalizada. A força da vida não é um plano ou um projeto da moda, mas a mera experiência da vida como um grupo ou sociedade quiser.

 

O sistema de legitimação na sociedade por ‘experimentos novos’ – por exemplo, a liberação da maconha, que figuras como Fernando Henrique Cardoso e Vargas Llosa defendem-, deverá mudar. Outra observação é que nos últimos 15 anos o Supremo Tribunal Federal causou verdadeira revolução em alguns valores retrógrados.

 

É bom que conservadores comecem a rever suas posições, o quanto puderem. O século 21, até aqui sem grandes expectativas, parece ter apenas uma única promessa valiosa: a alteração na qualidade da liberdade das pessoas, conjugada com a difícil missão de não discriminar.

 

Parece não haver dúvidas que escolhas haverá, e a existência de um menu é riqueza, não pobreza. Mesmo que obscurantistas berrem.

 

Jean Menezes de Aguiar / OBSERVATÓRIO GERAL



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