O novo famoso e a mídia leve

macaco-fumante

Antigamente fama era sinônimo de mídia, imprensa, televisão, ‘ibope’ etc. Alguém para ficar famoso precisava cair nas graças da TV. Ou de alguém dela.

 

Com a sociedade disruptiva, em que um pós-modernismo explodiu as simetrias e as lógicas fáceis, ou pelo menos ‘comuns’, passou a existir a fama privada, individual e fabricada autoralmente. Por exemplo, no Youtube, com filminhos que são viralizados no Whatsapp.

 

Pronto, fez-se a fama. E para estes novos famosos, o mais interessante é que esta fama basta, há em quantidade suficiente nos aplicativos. Tudo se dá por um número naturalmente finito de seguidores, mas um número grande. Bem grande.

 

Os novos famosos não almejam mais a velha fama, da TV, dos jornalões e da grande mídia. Esta pequena mídia lhes atende perfeitamente, afinal ela representa o seu mundo. Ou alguém tem dúvida que um ‘jovem’ destes leia a Folha, o Globo ou o Estadão? Cruz credo, alguém já berrou de sua estação de trabalho – o celular.

 

A informação passou a ser criada, não mais cai no colo, importada da imprensa que ‘traz’ de alguma fonte. Ela é feita e viralizada como é feita, do jeito que for. Bruta, incorreta, fake, não interessa, esta é a demanda, este é o consumo. É o novo sensacionalismo portátil. Há compreensão para sua decodificação, absorção e continuísmo neste modo, digamos, alternativo.

 

Responsáveis por uma que seria mídia dura, produtores de textos e artigos, sabem perfeitamente que jamais um artigo ganhará milhares de leitores, likes ou coisa parecida. Se não sabem, já é hora de saber. Ler e estudar, na velha posição de concentração ‘normal’ da atividade, são conceitos que mudaram, e, para estes novos, os humanos visuais, a escrita cansa, não distrai e não oferece a imediatidade cênica palatável que a mente fácil exige. Livros, para quê?

 

Por outro lado, a mente fácil demanda incansavelmente a produção de filminhos, a mídia leve, coisa que o Whatsapp catapulta à viralização em segundos. A rigor, talvez, nem o conteúdo cognoscitivo do filminho seja inteiramente decodificado, a mente fácil também não precisa prestar ‘muito’ atenção ao conteúdo, o gozo está em receber, olhar-em-diversão e reenviar. Aqui pode ter havido uma ruptura com a decodificação do dado em termos neuronais ou sinápticos. A absorção superficial do dado recebido basta e satisfaz. Sua legitimidade está precisamente aí e não na complexidade do ato de pensar ou problematizar o dado recebido. Querer que este novo usuário da mente fácil pense, reflita, acalme o ritmo pode ser uma desmedida para sua geração que efetivamente se basta com uma mídia leve.

 

Por outro lado, continua a existir ‘algum’ público para a produção da mente complexa, teorética e profunda. Mas esta mídia dura entra em ‘desuso’, fica reservada a jornalões ou blogs que ainda se arvoram a querer convencer pelo texto. É claro que há um público cativo. Ainda. Mas certamente está-se vivendo uma ruptura com a recepção do dado.

 

No Brasil isso se agravou com a eleição de 2018 em que o vitorioso não precisou da mídia impressa ou televisiva para vencer, continuando, mesmo depois, a bypassar a imprensa tradicional, e não dando ares de que mudará um milímetro.

 

O Estado brasileiro, este ser totalmente desonesto, em termos financeiros, salariais e sociais, abriu intencionalmente colossal fissura cultural com a sociedade, fazendo a opção de não mais lhe representar. O caso é que a sociedade – pelo menos esta internetiada- agora tem canais e redes próprios de intercomunicação, nem precisando mais muito do Estado nem da imprensa.

 

O que, quando e como isso vai acabar continua sendo uma dificuldade para estudiosos, mas é algo razoavelmente novo em termos de estrutura social.

 

Curioso que o ‘famoso’ da TV, o por-si-só-famoso, a figura que conseguia a fama mas não ‘era’ um profissional ‘em nada’, digamos assim, costumava ser facilmente ligado a algum tipo de futilidade. Já o novo famoso da internet será ligado à uma imagem de competência, pois que a medida na mídia leve, dos filminhos, dos likes, será a quantidade de referências em ‘adoração’ episódica, os likes, que alguém venha a conseguir.

 

Não é o caso de um ‘desarranjo’ na sociedade. Novos caretas e formalistas de plantão querem uma educação autoritária, respeitosa e austera. Perderão. O movimento dessa marginalidade social é irreversível e sua criatividade é apenas ‘outra’. Há que se compreender que até a criatividade pode conter sua rival, sendo, apenas, ‘outra’ criatividade, ainda que não a compreendamos.

 

A complexidade da sociedade não poderá ser mais engessada, não há marchas a ré, a experiência do novo na internet deu certo e criou uma nova linguagem.

 

O sociólogo Zygmund Bauman deixou o ensinamento de que as redes sociais não ensinam a dialogar. O espanto é que a mente fácil criou seu próprio diálogo, visual, sugestivo, imediato, mas sobretudo eficiente. O novo famoso não precisa dialogar, só precisa ser. Este é o seu diálogo.

 

Jean Menezes de Aguiar

 



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