As pessoas que ao longo dos últimos tempos opilaram o próprio fígado com uma sanha particular contra o PT, agora compõem uma nova classe social: são as órfãs do ódio. Não têm mais um objeto imediato para guerrear. Vivem o hiato.
Lula foi esquecido, em grande parte; como Eduardo Cunha e outros. São como se não ‘existissem’ mais. Existiram até as eleições de 2018. Mesmo preso Lula era uma ‘ameaça’. Agora se torna mais um detento. Sua história atual não ultrapassa a um parágrafo. Já seu futuro é relativamente incerto.
O PT saiu do governo, já desde Dilma. Mas a eleição de 2018 manteve um rescaldo ideológico aceso com o ‘risco’ de o PT voltar. Não voltou e o rescaldo virou nada. Ser uma grande bancada de oposição na Câmara em relação ao que era, é pouco, muito pouco. Principalmente porque o restante da esquerda desembarcou do PT querendo ser protagonista em igualdade de condições, ‘fundando’ uma nova esquerda.
Essa ‘fundação’ não se compara com a Nova Esquerda, cultural, citada por Michael Denning, na obra A cultura na era dos três mundos, p. 29, identificada nos Estados Unidos pelos idos de 1989, coincidentemente quando o PT ensaiava seus primeiros voos no Brasil. Uma nova esquerda no Brasil estará na dependência de seu maior nome, Ciro Gomes conseguir criar sustentáculos reais e atrativos para uma intelectualidade órfã do PT e do PSDB migrar e imprimir musculatura ao projeto. De toda sorte, a idade fez bem a Ciro que surpreendeu como boa revelação eleitoral, tornando a eleição de 2018 bem mais dinâmica e transgressivamente inteligente com suas sacadas marginais. Essa nova esquerda brasileira, mais centrada e preparada seria um alento para a história atual do país.
Há um novo tempo, já que os odiadores e os vingativos venceram. O tempo atual lhes pertence e começará a viger em 1º de janeiro.
Esse tal ‘novo tempo’, que fique bem claro, não produzirá o que a Sociologia chama de ‘mudança disruptiva’, criando um novo modelo de sociedade e economia. Algo assim, ensina Sergio Abranches, no livro A era do imprevisto, p. 65, exige décadas. Não é o caso. Não pensem, bolsonaristas de primeira ou última hora, que o Brasil será refundado, haverá um novo Brasil. Para tanto seria necessário um forte implemento cultural e de educação junto à sociedade, coisa que jamais se consumou. Ao contrário, a sociedade acaba de mostrar violência, por exemplo, assassinando 60 mil pessoas por ano. A sociedade é a mesma, talvez piorada. Preconceitos e separatismos sociais não são implementos culturais notabilizadores de mudanças sadias e duradoras.
A eleição de Jair Bolsonaro, por si só, poderá representar um novo modelo de governo. Mas não uma mudança social notável. Como garante contra turbulências possíveis, ainda, há a Constituição da República, um freio a voos radicais de governos aventureiros.
Também, o governo Temer serviu como bucha de canhão para amortecer suposta ruptura que seria drástica, do PT para com o novo. Bolsonaro não substituirá alguém do PT, tipicamente, mas apenas um ‘vice’ do PT, o que é coisa bem distinta em todos os sentidos. Ainda, a cruzada de Bolsonaro, frise-se, não era contra um governo PT em vigor, mas apenas contra um possível retorno do PT, o que também é coisa bem diferente.
Bolsonaro recebe o governo de um membro do MDB que teve, relativamente, algum tempo para imprimir sua marca, se fez ou não é outra história. De qualquer forma, o grande rompimento histórico para a sociedade em geral, é com as décadas de governo PT.
É claro que ainda tem gente odiando o PT. Essa psicanálise social não cessará tão facilmente. O PT se tornou uma espécie de berlinda ideológica: sempre haverá os que quererão surrar o PT para vincar a própria marca eleitoral. Esta é uma estrutura ideológica débil, mas produziu vencedores momentâneos como o híbrido João Doria.
Das 3 formas modernas de poder, econômico, ideológico e poder político, como ensina Norberto Bobbio, na obra Teoria geral da política, p. 162, a eleição de Jair Bolsonaro se estruturou, com seu antipetismo portátil, num misto de poder ideológico com poder político. Ao contrário de o que se possa pensar, e utilizando a lição de Bobbio, o eleitor de Bolsonaro foi um sujeito passivo, condicionado no comportamento pela única vertente ideológica que importava no momento: a rejeição ao PT. O problema que se antevê, também ensinado por Bobbio, é que ‘todas as 3 formas de poder instituem e mantém uma sociedade de desiguais, isto é, dividida’.
Uma primeira grande divisão que não deveria ser mantida, é a de bolsonaristas e o resto. Mas há outras divisões, fundadas noutras chagas ideológicas já manifestadas para este novo tempo. Minorias historicamente discriminadas, por exemplo, pressentem o risco de um porvir tenebroso, sentimento absurdo que não deveria ocupar as preocupações de ninguém, absolutamente ninguém, em pleno século 21.
Veja o tragedioso caso do filho do governador carioca eleito, Wilson Witzel esse sargentão ideológico de Bolsonaro. O rapaz, que é trans, pediu ao pai que não o utilizasse na campanha eleitoral, não queria ser identificado; seu pai, aprendiz de político fez sua lição de casa como político: não respeitou o próprio filho e usou-o na campanha. O filho já declarou ‘perdi meu pai’, inclusive com inúmeros ataques e ameaças na internet de odiadores de plantão ao jovem.
A eleição de Jair Bolsonaro para o Brasil é motivo de preocupação teorética para estudiosos em geral, se é que isso represente ‘algo’. O discurso conservador cada vez mais se dissocia do século 21, este século que não nasceu sob o estigma do conservadorismo, do obscurantismo e do preconceito, a não ser para sociedades religiosas fundamentalistas, e boçais. Em todas as sociedades do mundo às quais o signo do conservadorismo tem reflorescido, o espanto por parte de observadores e estudiosos é imenso e denunciado. Isto não quer dizer que o conservadorismo tenha que ser normalizado. Mas quererá dizer que temos que aprender a conviver com a qualquer diversidade, a diferença, a alegria, a arte, a cultura e uma modernidade futurizada hoje. Uma que não sabemos muito bem o que é. Mas já implantou sua marca para que, pelo menos, a testemos.
Jean Menezes de Aguiar.