
A frase do título não é minha. Quem dera. Pertence a Samuel Johnson, famoso escritor e pensador inglês do século 18. Há alguma controvérsia sobre o sentido da frase como usada pelo escritor, se crítica ou defensivamente, mas o que importa aqui é sua histórica literalidade que se aproveita em conjunto com outras tantas frases de outros intelectuais seniores. Assim, a frase de Johnson nunca esteve só pelos séculos do conhecimento.
Modernamente, Shlomo Sand, historiador e professor da Universidade de Tel-Aviv, em seu livro ‘A invenção da Terra de Israel’, página 75, afirma que a pátria é ‘a mais destrutiva das criações da era moderna’. Pois é, em nome desta concepção moralista, ou farisaica, povos e religiões ‘inimigos’ são discriminados. Ou mortos mesmo.
Outros tantos fizeram coro. Em Eric Fromm há ‘O nacionalismo é a nossa forma de incesto, é a nossa idolatria, é a nossa insanidade. Patriotismo é o seu culto’. Já Paul Léautaud deixou: ‘O amor produz tolos; o casamento, cornos; e o patriotismo, mal-intencionados’. E um sempre espetacularmente ácido H. L. Mencken, autor de O Livro dos Insultos, após ironizar que ‘desde que o primeiro gorila avançado vestiu cuecas, franziu a testa e saiu por aí dando conferências’, p. 16, registrou que ‘quando se ouve um homem falando do seu amor por seu país, podem saber que ele espera ser pago por isso’.
É reveladora a quantidade de deliciosas diatribes contra a praga do patriotismo. Basta se pesquisar. E para fechar a lista de pensadores, ouve-se ninguém menos que o sempre notável, e aqui devastador, Albert Einstein: ‘Heroísmo no comando, violência sem sentido e toda detestável idiotice que é chamada de patriotismo – eu odeio tudo isso de coração.’
Sim, é isso mesmo que se leu. Einstein chama o patriotismo de ‘detestável idiotice’. E na distinção sígnica das duas palavras, chama a atenção não a detestabilidade, um condão moralista, mas a idiotice, sentido humano que expõe a carência intelectual de quem bate no peito e se diz patriota.
O nazismo foi crematoriamente patriota, ainda que atualmente, um ou outro adepto da referida idiotice einsteiniana não se indigne com a coisa. Há quem diga que ‘no fundo’ (rs…) Hitler era um gênio, ou invocam o termo nazístico que virou moda corporativa atual: ‘líder’. O sentido perverso do maldito termo, no ‘princípio da liderança’, Führerprinzip, imposição totalitária do partido nazista, com Hitler sendo o próprio Führer, ou seja, líder, deveria assustar seriamente, no mínimo pelo autoritarismo umbilical do termo. Mas quem precisa de História, não é verdade?
No biombo de um patriotismo atual, 2.0 – como gostam de ‘numerar’ imitando motor de carro- refugiam-se criaturas egocêntricas e preconceituosas que acreditam que este sentimento, uma vez demonstrado publicamente, possa enaltecer a própria pessoa, diferençá-la das demais. Se muitos, será como que uma confraria ideológica do ultraconservadorismo reacionário. Cruz credo. O fato é que a criatura, por sua egolatria do tamanho de seu país, acredita que o patriotismo lhe renda alguma nobreza. Só rindo.
Por outro lado, o patriota não ‘incomoda’, desde que não se lhe deem ouvidos. E, no mais, cada um seja, faça, pense e viva como quiser, ou puder. Moralismos punitivistas pessoais sempre existiram e sempre atraíram olhares alvissareiros de estudiosos da tolice humana.
Interessante é um fator do patriotismo em si. Bater no peito e se autointitular ‘patriota’ deveria ser algo totalmente ocioso, óbvio. Não se enaltecem, como triunfo público, origens e laços naturais e culturais atávicos, a menos que se queira discriminar determinado grupo alheio, ou inimigo.
Bater no peito e discursar que nasceu de uma mulher; que tem uma origem humana; que nasceu em alguma cidade; que pertence a um país; são fatos e sentidos obviamente tolos, ou tolamente óbvios. São coisas que dispensam microfones e bandeiras. Não outorgam diplomações ou superioridades a quem se gaba dessas construções como sinônimo de autograndeza ou algum purismo pessoal – o que é precisamente o caso do patriota. Ter um laço panfletário ou propagandístico com defesa da família, cidade e país são uma pasmaceira espumante, porque mero componente antropológico, cultural.
Que um soldado em campo de batalha, já forçado a ir à maldita guerra, imaturo politicamente com seus 20 anos de idade tenha que sentir algum ‘patriotismo’ funcional, e diariamente inflamado por um superior – até para não deserdar e descobrir que é o inimigo que tem razão, ou prostíbulos melhores, entende-se perfeitamente. Cria-se, aí, razoavelmente, um patriotismo inimizante do inimigo, sofrivelmente lógico e mantenedor de uma tropa que não pode pensar também em debandar. Pelo menos essa será a esperança do sargento, ou seu credo, abstraídos os tantos oficiais que passam formidáveis segredos para o outro lado, em todos os tempos, em todas as guerras.
Entretanto, virar garoto-propaganda do patriotismo, a ponto de fundar partidos, agremiações, irmandades e outras cafonices semelhantes e, pior, anunciá-lo personalissimamente como algum tipo de doutor honoris causa do bem, ou breguice semelhante, insere a situação no conceito de ‘orgulho’ ensinado por Voltaire, em Dicionário Filosófico: ‘Conquanto este sentimento não seja de todo justificado em tão mesquinho animal como o homem, poderíamos no entanto perdoá-lo a um Cícero, a um César, a um Cipião; mas que nos confins de uma das nossas províncias meio bárbaras um homem que houver comprado um cargo insignificante e feito imprimir versos medíocres decida estar orgulhoso, eis o que dá matéria para nos rirmos longamente.’
A condição idiotizante do patriotismo panfletário na pessoa adulta, em contraposição ao que se espera razoavelmente de uma pessoa ordinariamente madura, se iguala a alguns efeitos de dois pensamentos típicos que se atrelam: o pensamento piegas e o pensamento moralista. Os três, então, evocando um egocentrismo socialmente judicante para julgar o Outro por qualquer conduta ou frase, projetam olhares correcionais e exemplaristas. É um misto de ideologia pelo fígado, de qualquer coisa, e projeção preconceituosa para com o entorno.
Como primo irmão do patriotismo há o nacionalismo, tão bem rechaçado por ninguém menos que Pierre Trudeau, no texto Contra o Nacionalismo (No Final do Século, Nathan p. Gardels [org.], p. 127) com a lição ‘O governo democrático defende a boa cidadania, nunca o nacionalismo.’ A história já cansou de demonstrar a ligação direta – e invariavelmente criminosa- entre patriotismo e nacionalismo, duas mazelas que andam juntas.
No plano personalista, o patriotismo, então, além de toda uma carga sabidamente preconceituosa, é um nada que se invoca como se se invocasse um tudo, ou um muito.
Escolhas, lados, cores, gostos, partidos políticos e candidatos, mesmo os tristemente radicais, são legítimos a qualquer um e não se julga isso. Compõem a visão de mundo (weltanschauung) inalienável da pessoa. No máximo, lamentam-se algumas posições aí. Mas quando se fala em patriotismo não se está a tratar singelamente dessas questões ‘naturais’, e sim de uma construção pretensamente teorizada e própria de um lado político, invariavelmente ultraconservador e por isso mesmo historicamente preconceituoso.
Johnson, Sand, Fromm, Mencken, Léautaud, Einstein e tantas outras figuras geniais, têm muito a ensinar, para muita gente. E continuarão sendo fonte de referência e modelos memoráveis de conhecimento e inteligência. ‘Mesmo’ que com frases e sentidos maravilhosos como os indicados acima, que nem todo mundo consegue … compreender.
Jean Menezes de Aguiar
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