A resposta e o argumento

O pensamento primário se encantou, nos últimos tempos, com a ‘lacração’, a resposta pública, nalguma rede social, que dura alguns segundos causando uma sensação de vitória episódica a alguém que se vê derrotando um adversário de modo erístico. Bonitinho não é?

Diversas observações saem de um parágrafo desses que resume superficialmente a  situação.

A primeira, o encanto em si. Alguns filósofos, como Schopenhauer, dizem que a inteligência é parte imanente da felicidade. Claro que inteligência para a o pensamento primário será um estalinho de um ‘fora’, aquela situação de antigamente quando alguém dava ‘um fora’ em alguém e, só por isso, se sentia superior. Dar um fora é um mero traço de má-fé, ou falta de educação. Instado a isso ou descoberto, o ser medíocre usará o escapismo fácil do ‘eu estou brincando!’. Flagre um medíocre em sua mediocridade e ele lançará mão desta blindagem personalista-comportamental do ‘eu estou brincando!’ Então tá.

Uma segunda observação é o tempo da lacração, um tempo essencialmente medíocre e de poucos estudos e labores intelectuais. Bastam respostas e foras, e pronto, tudo se resolve. Como se a vida tivesse se transformado numa grande disputa, com o vizinho, com o parceiro de trabalho, com o conhecido etc. O pensamento competitista, numa época em que pessoas têm que bater metas, vender, produzir incessantemente, e não se preparar intelectualmente durante a vida para ser uma pessoa melhor e mais gentil, efetivamente triunfou. Com uma política partidária capitaneada por atores medíocres que agudizam o viés disputal, o nosso néscio acredita que está surfando numa onda maravilhosa, a onda da disputa em que vencer o Outro é o que importa. Sem qualquer dúvida, o filósofo aí, nessa clivagem sociológica da disputa, declarará querer ficar em segundo, não ‘vencer’ jamais, ou mesmo optar pelo último lugar, afinal competir com a estupidez em todo e qualquer caso ser-lhe-á patético. Ou um desastre mesmo.

Por terceiro a pobreza da ‘resposta’ frente à possibilidade dum argumento. Argumentos cansam, extasiam mentes primárias em pouco mais de alguns segundos. O primarismo tem pressas, acelerações, mas incapacidades de decifrações epistemológicas mais persistentes que demandem atenção inteligencial, sistêmica, complexiva ou apenas filosófica. A resposta é simples, o argumento é complexo. Também por isso a filosofia diz que o importante não é responder, mas questionar. A ânsia da resposta é famélica, pois denota o próprio primarismo da demanda: não pode ser nada complexivo, extenso ou sistêmico. Hegel mostra que o conhecimento ou é científico ou sistêmico. Mas quem quer Hegel se se pode ter um lacrador youtúbere ou tiquetóquer de uma das nossas províncias bárbaras, que escreveu um poema qualquer e disso tem ‘orgulho’, como fala Voltaire em seu Dicionário de Filosofia, verbete ‘orgulho’?

Por fim, o modo erístico de ser, parafraseando Chaïm Perelman quando ensina sobre o discurso digladiado; ou seja, de baixa referência. O pensamento primário não é apenas simplista nas construções e percepções, mas também no modo de conduzir a própria personalidade, fustigativa, provocativa, digladiante, competitiva e outros totais subprodutos de uma gentileza como visão de mundo. Linda Kaplan Thaler e Robin Koval, na magnífica obra O Poder da Gentileza, ensinam sobre um verdadeiro pensamento gentil, não necessariamente um abrir formalista da porta do carro para a dama, mas a funcionalidade da gentileza, na vida, nos negócios, obtentora de prazeres impagáveis, ao mesmo passo que conferidora de, igualmente, benesses memoráveis ao Outro que, invariavelmente, se quer bem como um todo.

A pressa ou urgência da resposta num diálogo, aquela que a mente primária lhe ‘cobra’ por uma posição, na hora, no momento, o lacrativo ‘e aí, não vai responder nada?’ como se alguém tivesse que atender ao voluptuoso do pensamento jactancista, parte de uma descontextualização personalista, subjetivista de o que se é – nada mais que isso-, o que se pode ser, o que se pode querer do Outro, ou exigir, ou mesmo pedir.

Diálogos comandados por imediatidades respostais cobradas, exigidas temporalmente no segundo seguinte, sob a ameaça de persecuções punitivistas ligadas à chancela da vitória do próprio demandante, mais demonstram um estado concordatário de intelectualidade, ou desastroso mesmo em termos de gentileza para com o Outro.

Desgraçadamente essas criaturas saíram das cavernas do anonimato e ganharam vozes estridentes nas redes sociais. Vivem felizes lacrando e derrotando inimigos paridos pela própria mente. O melhor de tudo, para estes, não será um argumento, uma digressão, um texto ou qualquer tentativa de explicação. Não há na mente primária ‘paciência’ para isso – chame-se assim-. Mas o silêncio continua sendo a melhor ‘resposta’. Aquele dos pensadores universais que recomendam não se digladiar com o pensamento idiotizado. E, de quebra, a vontade explícita e declarada, e muito bem afirmada de nunca jamais se querer ficar em primeiro lugar num destes debates vis. Seria uma vitória pírrica, se é que alguma vale muito à pena.

Jean Menezes de Aguiar



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