Entrevista com Adamo Prince: MPB, bom gosto e lições de vida

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O entrevistado hoje é o reconhecido músico Adamo Prince. Violonista, professor e autor de inúmeros CDs e livros de música. Inventou um método reconhecido internacionalmente para o aprendizado de música, a boa música. Adamo é mais um crítico da atual “música descartável para um público de pouca exigência e culturalmente submisso”. Conselhos para músicos jovens, o momento atual da música noturna e a noite do Rio, técnicas musicais, nomes de grandes instrumentistas e muito mais. Sua espetacular história de vida desde a infância, até o reconhecimento atual. Quem gosta de Música Popular Brasileira vai apreciar.

Entrevista Exclusiva para o OBSERVATÓRIO GERAL

 

OG – Fale um pouco de você, sua trajetória de vida e musical e o que tem feito nos últimos tempos.

Adamo – Sou brasileiro, descendente de família italiana, nascido no subúrbio do Rio de Janeiro. Ainda quando criança ganhei de meus pais uma sanfona de quatro baixos, bem pequena e limitada, mas apropriada ao meu tamanho. Não fazia cromatismos nem harmonias sofisticadas. E assim foi o começo da minha jornada musical. Minha mãe, que se chamava Aída em homenagem ao grande compositor Giuseppe Verdi, cantava para mim todas aquelas cançonetas italianas e árias de ópera. Eu reproduzia as melodias e a acompanhava com muito empenho. Mas nem sempre com exatidão, devido aos poucos recursos que eu dispunha. Ela reclamava, como boa italiana: toca esta sanfona direito! E despertou-me para a composição. Devido às reclamações, passei eu mesmo a fazer novas músicas que se adequavam perfeitamente às limitações do instrumento.

Fui crescendo. E os instrumentos também. Numa tarde inesquecível meu pai chegou com um grande presente, literalmente falando: um acordeom Scandali de 80 baixos, que possibilitava todos os cromatismos e ampliava as possibilidades harmônicas. Era outro mundo. Muitos baixos pra quem estava acostumado só com quatro. Foi quando entrei para uma academia de música para aprender a ler partituras e aprimorar a execução. Comecei também a tocar flauta. Agora já podia interpretar impecavelmente todas aquelas músicas que ficavam a desejar.  Passei a compor de forma mais sofisticada. Misturava minhas músicas com as de autores conhecidos e as tocava em reuniões e festas de toda natureza. Inclusive juninas.

Quando o acordeom “saiu de moda”, passei para o violão. Isto foi mais ou menos na época da Jovem Guarda, e o violão se tornou meu principal instrumento. Eu não era ainda um músico profissional, mas a música já se encontrava em primeiro plano na minha vida. Ganhei na ocasião uma bolsa para estudar música clássica na Academia de Música Lorenzo Fernandez, onde fiquei por uns bons anos. Depois fui me aperfeiçoar estudando violão clássico e popular com grandes mestres como Odair Assad e Hélio Delmiro. Também me aprofundei nos estudos teóricos com Ian Guest. Passei a dar aulas profissionalmente e escrever livros didáticos, pois observei que a nossa pedagogia musical não se adequava às necessidades práticas do dia a dia do músico. E sem saber, estava estabelecendo um marco em minha carreira. Meus métodos revolucionaram os conceitos da aprendizagem e passaram a serem referências de modernidade dentro e fora do país.

Simultaneamente continuei compondo, mas me afastando gradativamente da postura de intérprete. Atualmente não me considero mais um instrumentista – uso os instrumentos como ferramentas para a criação. Continuo tocando, dando aulas, escrevendo livros didáticos, poesia, músicas e arranjos. Meu último trabalho lançado foi o álbum “Na Varanda”, com doze peças para violão solo e duo. É um álbum autoral de partituras e CD, onde eu mesmo interpreto minhas composições.

Adamo Prince - Aula

Aula

OG – Você que é um músico de qualidade e técnica, acostumado a uma MPB de alto nível reconhecida internacionalmente, como está vendo essa reviravolta no país com o advento da música sertaneja?

Adamo – Já toquei muitos temas como Kalú, Saudades do Matão, Rancho Fundo, Felicidade, entre tantos outros. Uma prova concreta da admiração que tenho pelo sertanejo é a minha peça para violão solo “Toada da Lua”, composta com esta temática regional. É autêntica e tipicamente brasileira a música sertaneja. Mas o que é feito dela hoje em dia não difere do que é feito coma música popular de qualquer outro estilo. Para alcançar altas vendas, desrespeitam a essência do gênero e descuidam da qualidade. O resultado é uma música meramente comercial, com melodias medíocres e letras apelativas. Com o objetivo de atingir um vasto público de pouca exigência, as grandes fábricas e mídias vinculadas empurram o que querem para esta gente culturalmente submissa. E cria-se um ciclo vicioso de baixa cultura.

OG – Qual é o saldo da Internet em relação à música e ao músico profissional? O YouTube, por exemplo, atrapalha ou alavanca quando populariza gratuitamente uma música inédita do compositor?

Adamo – O advento da Internet trouxe uma mudança radical nos formatos de divulgação e vendas no mercado musical. Agora temos assessores de imprensa específicos para divulgação virtual. Trabalham com sites, redes sociais, revistas especializadas e fazem malas diretas com e-mails para públicos direcionados. O YouTube é para mim mais uma boa ferramenta de divulgação: uma vitrine. Exponho vários vídeos com minhas músicas e aproveito para anunciar meus trabalhos.Tanto os que já estão no mercado como os que ainda serão lançados. Tudo isto é uma nova realidade a qual ainda estamos nos adaptando e aprendo a lidar com ela, mas a meu ver, já com um saldo bastante positivo.

OG – Até a década de 1980 havia grandes casas noturnas no Rio, como o 21, o 706, o Special Bar, o Chico’s Bar e outras, com excelentes músicos formando grandes “conjuntos”. O movimento do “violão&voz”, muito mais barato, poderia ser o responsável pelo sumiço do músico do cenário da noite?

Adamo – Acho que não. João Gilberto precedeu a tudo isto, é o pioneiro deste movimento, e não surgiu por motivos econômicos.  Parece-me que a noite carioca é que está diferente. A Lapa que estava adormecida, agora está efervescente. Muitas boas casas noturnas surgiram recentemente. O samba e choro tornam a se fazer presentes. Há um movimento de resgate cultural na vida boêmia. E há conjuntos de grande formação tocando assiduamente por lá. Pode ser que o piano bar esteja menos em voga. Pode ser que a bossa e o jazz sejam menos executados no momento. Pode ser até que as pessoas saiam menos e gastem menos, que o medo da violência contribua para isso. Mas realmente não creio que um movimento exclua o outro. São as épocas que mudam. São as coisas que vão e vem.

OG – Grandes nomes da música têm surgido e desaparecido com mais rapidez do que antigamente.  A que você atribui essas marolas?

Adamo – Creio que os verdadeiros grandes nomes não desaparecem com maior ou menor rapidez. Como podemos observar com grandes músicos eruditos e populares, eles atravessam épocas e modismos. Quando surgem e somem rapidamente, é porque não se encontram na mesma constelação de grandeza. Se isso ocorre com maior frequência nos tempos modernos é porque, sem dúvida, predomina a filosofia do descartável e da arte superficial. Talvez isto se dê devido à atual crise econômica, política, cultural, e a priorização de valores materiais. Mas mesmo assim continuarão surgindo grandes artistas que fazem a arte pela arte, e que irão se eternizar através de sua obra. Não deixarão de surgir nem hoje, nem nunca.

OG – O que você aconselha a um jovem que queira entrar na música? Quais as dificuldades e o manejo para se dar bem na profissão?

Adamo – Antes de tudo viva como um artista, ou seja, sempre apoiado no seu talento, intuição e sensibilidade. E é claro, conquiste as ferramentas necessárias para sua desenvoltura: estude incansavelmente, com disciplina e dedicação, preparando-se para as demandas da profissão. Acredite em si mesmo e em sua missão, e fique apto para o mercado de trabalho, tanto do ponto de vista artístico como técnico. Esteja pronto para atuar em vários segmentos. Assim você poderá abraçar diferentes oportunidades que possam surgir ao longo dacarreira. Abra várias portas para dar maior espaço para a sorte. Porém, não espere exclusivamente por dela. E o fundamental: deixe que Deus guie os seus caminhos. Mas ande, para que Ele possa fazê-lo!

OG – O seu vídeo no YouTube está didático e muito bom. Como está sua produção de livros e quais os planos pro futuro?

Adamo – Data de 1982 minha primeira publicação. Foi o livro “A Tempo”, com edição esgotada. Veio a seguir o “Método Prince – Leitura e Percepção – Ritmo”, em três volumes bilíngues (português e inglês), obra considerada pela crítica a mais moderna e completa já editada sobre o assunto e distribuída com larga aceitação no Brasil e no exterior. Para complementar esse trabalho, gravei e editei “A Arte de Ouvir”, obra composta de dois CDs acompanhados cada qual de um livro em inglês e português, onde é apresentado material fonográfico de alto nível artístico e didaticamente elaborado para evolução passo a passo da percepção rítmica.

Depois foi a vez do livro “Linguagem Harmônica do Choro”, onde o choro e os demais gêneros do seu universo estão representados pelos compositores mais expressivos desde a época do seu surgimento.  Foram analisadas as regularidades da sua harmonia e estabelecidas as principais características da linguagem harmônica. O último trabalho autoral lançado foi o álbum “Na Varanda”, onde me apresento como compositor e intérprete. Lá se encontram doze de minhas composições para violão solo e duo. Como disse anteriormente, é um álbum de partituras e CD. Baladas, valsas, choros, jazz, toadas e ponteios se sucedem num passeio entre o popular e o erudito.

Estes trabalhos mencionados são da Editora Irmãos Vitale. Encontram-se na mesma editora vários Songbooks transcritos e revisados por mim. Todos de grandes ícones da MPB, como: Gilberto Gil, Noel Rosa, Dorival Caymmi, Vinícius de Moraes, Ari Barroso, Carlos Lyra, Edu Lobo, Djavan, João Bosco, entre outros.

Meu próximo lançamento previsto é para o início de 2014. Já está no prelo o livro “Arranjos de Base – Blues”. Este livro acompanhado de CD, em coautoria com Alexandre Massena, está contratado também pela Irmãos Vitale. Ensina a construir bases tradicionais e modernas de blues, e demonstra como fazer fusões com outros estilos. Para cada instrumento de base (baixo, bateria, piano, guitarra etc.) são ensinados os voicings, as conduções, os grooves, os turn-arounds, as iniciações, as finalizações e convenções. Cada arranjo no CD é divido em três faixas: baixo e bateria (1ª), instrumentos harmônicos (2ª), e todos os instrumentos juntos (3ª). O CD tem um total de 50 faixas. O livro, além de explicar tudo que está gravado, contém as grades de todos os arranjos.

Em breve será lançado também o Songbook Nelson Cavaquinho (pela Irmãos Vitale), onde contei com a parceria de Afonso Machado na sua realização.

Tenho ainda em andamento dois projetos didáticos não editados: “Método Prince – Som e Manchas Visuais no Teclado”.

O MÉTODO PRINCE – SOM é dividido em três volumes, utilizando o Sistema Relativo(popularmente conhecido como Dó Móvel) para o solfejo e a audição consciente do som. Condiciona o reflexo na pauta, viabilizando a leitura à primeira vista em todos os tons e claves. Desenvolve a percepção melódica, possibilitando a escrita fluente de uma melodia, sem a necessidade do auxílio de qualquer instrumento. Nesta metodologia, a nota ganha significado devido ao seu contexto melódico/harmônico (e não à sua altura absoluta). Esta metodologia é também conhecida no meio erudito como “Solmização” .

O livro de manchas visuais foi feito usando o teclado como referência, por ser um instrumento concebido de forma a facilitar a visualização. Muitos aspectos em música são racionalizados e teorizados, mas na verdade não são vistos, literalmente falando. Cria-se assim uma grande distância entre o conhecimento adquirido e a prática musical.Neste trabalho estão demonstradas manchas visuais para intervalos e suas inversões, tonalidades, modalidades (maiores e menores), armaduras de clave, graus diatônicos, escalas diatônicas, pentatônicas, blues, exafônicas, aumentadas, diminutas, alteradas, modos gregos, escalas de acordes, tríades e tétrades, sons básicos, notas de tensão, inversões de acordes, diversos perfis harmônicos (voicings) etc. Estão expostas também considerações sobre os tópicos apresentados, com a finalidade de esclarecer estruturalmente o que está sendo visto. Mas não há nada estruturado que não se possa ver.

OG – Que nomes de músicos, no violão e guitarra você destaca no cenário atual no país?

Adamo – Yamandú Costa é o primeiro que me vem à mente, não só pelo seu grande talento, mas também por ser o solista convidado a participar do meu projeto Poemas Sinfônicos, que visa à gravação ao vivo de CD e DVD. Serão gravadas quinze músicas inéditas da minha autoria, com mescla de músicos populares e a participação da Orquestra Sinfônica dos Sonhos. Participam também do projeto como arranjadores, Gilson Peranzzetta e Paulo Aragão, que assina o arranjo de Fantasia Popular, para violão e orquestra, composta por ele e Yamandú. Esta peçafoi escolhida para o fechamento do programa.

Veteranos como Hélio Delmiro, Turíbio Santos, Heraldo do Monte, Antônio Carlos Barbosa Lima, Zé Menezes e Nicanor Teixeirasão grandes nomes que ainda estão ativos no cenário musical.

Guinga, Lula Galvão, Marcos Pereira, Nélson Farias, Homero Lubambo, Egberto Gismonti, Ricardo Silveira, Toninho Horta, Zé Paulo Becker, Nonato Luiz, Geraldo Ribeiro, Fábio Zanon, Paulo Belinati, Henrique Annes, Marcus Llerena, Conrado Paulino, Marcus Tardelli, Badi Assad, Duo Fel, Duo Assad, Duo Siqueira Lima, Quarteto Maoganientre e tantos outros, representam atualmente o violão e a guitarra brasileira de mais alto nível. São destaques tanto aqui como no exterior. Mas o Brasil é o país do violão! Quantos e quantos nomes poderiam enfileirar uma lista imensurável? Estou mencionando somente os artistas com quem tenho maior afinidade ou vínculo pessoal. Perdoem-me os inúmeros colegas que não foram citados aqui.Bem sabemos que sem eles a música brasileira não possuiria o mesmo brilhantismo.

adamo aulas

Assista o mestre: http://www.youtube.com/watch?v=9f6kVYBD4GA



Categorias:Cultura

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