
Uma família bonita
Em época de eleição, todo dia se ouve um ou outro político ou candidato ultraconservador empunhando um ‘código’: a família. Falam que querem ‘defender a família’, mas nunca dão inteiramente o papo reto. Nunca revelam a extensão de o que querem dizer, e o tônus do preconceito que querem manter vivo.
‘Família’, nessa codificação preconceituosa de quem se propõe a ‘defendê-la’, tornou-se um asco intelectual, um fator de obscurantismo próprio de intolerantes.
Usam a expressão ‘em defesa da família’ para afastar modelos familiais que não aprovam, efetivamente odeiam, querem proibir e cercear.
Família é um conceito seriamente estudado na Antropologia e na Sociologia, ainda que haja crendices e mitos possíveis ligados ao tema, mas percebe-se que aí não compõem estudos sobre o tema, apenas dogmas. Para quem gosta, um prato cheio.
O clássico Ralph Linton, na obra O homem: uma introdução à antropologia, ensina que a família é representada por ‘unidades cooperativas, intimamente entrelaçadas e internamente organizadas’. Mostra que ‘o traço mais constante são as atitudes gerais impostas aos seus membros’, e sua função mais antiga é ‘a de proporcionar aos cônjuges satisfação de suas necessidades sexuais’.
Não divergindo, Luiz Gonzaga de Mello, Antropologia cultural, mostra que o conceito de família tem por foco as ‘relações de afinidade’, o que enfatiza a absolutividade da vontade [adulta] como elemento constituidor da família.
Em trabalho de fôlego, Padre Fernando Bastos de Ávila, Introdução à sociologia, mostra as teorias evolucionistas da família, desde a promiscuidade primitiva até a nossa era. Explicando a tese de Durkheim, ensina que ‘não é a família que dá origem à sociedade, mas a sociedade que dá origem à família’, enquanto um conceito moralmente criado.
Por fim, Jürgen Habermas, Técnica e ciência como ideologia, mostra que o subsistema família repousa ‘fundamentalmente em regras morais de interação’.
Percebe-se toda uma unidade teórica entre estudiosos seniores com os fatores: vontade, cooperação, organização, satisfação [sexual], afinidade e regra moral.
Com tais fatores percebe-se que a família, em seu conceito técnico ou comum, que seja, não vem sofrendo qualquer ‘ataque’ social na atualidade, pelo simples fato de o conceito ser dinâmico e adaptativo a padrões sociais segundo regras de interação e momento histórico.
Com os dois grandes vetores da atualidade, a equiparação da mulher ao homem e as relações homoafetivas no mundo, é mais que óbvio que o conceito de família teria que mudar. Não querer compreender estes fenômenos sociais é uma forma de fundamentalismo, preconceito ou simplesmente arrogância que denota estupidez.
Os modelos comparados de diversos sistemas sociais existentes no mundo, considerando-se os mais ‘evoluídos’ devem servir, minimamente, como fonte segura para compreensão e aceitação de um principiológico pensamento ocidental.
Tudo bem que o Brasil seja pródigo em ‘teorias’ malucas, bem como em dogmatismos infernais, e haja um público imenso adorador e adepto deles, mas a ciência continua sendo a instância correta a se buscar conhecimento seguro e insuspeito para questões sociais abertas, valorativas e difíceis de compreensão.
Conservadores quererem manter o conceito de ‘família’ como ‘uma’ determinada tradição que lhes parece ‘melhor’ – ou eleitoralmente vantajosa, claro-, é uma ignorância velhaca, dissociada do próprio conceito de modernidade. É a falta de conhecimento sobre a dinâmica natural do conceito.
O ressurgimento da direita assumida no Brasil é legítimo e esta assunção social é o fim do cinismo patético que dizia que ninguém era de direita; os conceitos de direita e esquerda haviam ‘acabado’ e outras sandices semelhantes.
É uma pena que essa direita inculta conseguiu, assim, estigmatizar o conceito de ‘família’. Atualmente, quando alguém ‘usa’ o termo já se sabe que virão preconceitos, intolerâncias e posições atrasadas. Coisas bem próprias de um baixo-clero intelectual.
Jean Menezes de Aguiar
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