Qual seria a reação de um cirurgião ao ler uma notícia de um jornalista em um jornal qualquer interpretando qual tipo de bisturi é o mais aconselhável para uma determinada incisão? Se é que o cirurgião reagiria, poderia rir. Ou balbuciar “que diabos será isso, eu hem, pff…?”. O fato é que o Direito foi apreendido “democraticamente” por qualquer um. Basta opinar e usar palavras fortes. Faz o maior sucesso. Impressiona e causa efeito.
O jornal O GLobo (Sábado, 28.9.13) traz generoso artigo de meia página, do jornalista Guilherme Fiuza. Presumivelmente, é o que transparece, sem qualquer conhecimento jurídico, o rapaz interpreta a atividade processual do Supremo ligada a juízo de admissibilidade recursal. O processo da ação penal 470 – “mensalão”.
Sob o sugestivo título “A primavera burra”, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli são acusados de serem ministros obedientes a “seus senhores petistas” pelo jornalista que certamente é obediente a seu senhor conservador e apoiador da ditadura brasileira: o diário O Globo.
O artigo garante que o processo judicial da ação penal 470 passou por “uma blitz política (disfarçada de jurídica) e o Brasil foi roubado de novo, à luz do dia.” Diz ainda que o recurso de embargos infringentes foi um “golpe vexaminoso, uma manobra tosca que embaralhou um julgamento cristalino e cindiu o direito e o bom senso.” Garantindo ter havido no Supremo Tribunal Federal uma “prostituição da técnica” e que “há muito tempo, o espírito da lei já foi pendurado na parece”, constroi uma lógica própria. Totalmente ilegal, no sentido de que deveria haver embargos infringentes de embargos infringentes. Por fim, afirma que “a blitz dos advogados milionários do PT fez o STF virar as costas para a lógica e o espírito da lei.”
O que o artigo sugere, talvez sem muitos fundamentos, empolgado com algum galo (Gallus gallus domesticus) que cantou em terreiro longínquo, é um atentado processual. Legislador de jornal, Fiuzza propõe cassar um recurso existente em lei em nome da felicidade de sua imprensa reacionária. Com brados vernaculares de efeito, para leigos bem leigos, utilizando palavras de ordem como “blitz”, “golpe”, “roubo”, “bom senso” e “prostituição da técnica”, mas também conceitos razoavelmente complexos como “lógica” e “espírito da lei”, maneja alegre sua reforma jurídica. Seja do Supremo Tribunal Federal, seja do próprio Direito Processual Penal. A democracia é livre, e mais linda ainda quando concede alvarás a prostíbulos mentais.
Em seu novo desenho do juridicamente correto, o artigo “climático” do jornalista passa ao largo dos movimentos constitucionais mais modernos do mundo que privilegiam a Dignidade da Pessoa Humana e os direitos do réu. Inclusive em tratados e tribunais internacionais como a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Ora, mas os réus são do PT. Para que garantias e direitos fundamentais? Dane-se que o processo da ação penal 470 seja de índole penal condenatória. Dane-se tudo, novamente os réus são do PT, chega, já está de bom tamanho. Esta é a lógica utilitarística velhaca de plantão
Berrar nos jornalões é fácil. Escrever asneiras jurídicas no papel é simples; ele é generoso, aceita desaforos. Invocar nomes pomposos como “lógica” também é. Mas em campos científicos restritos como cirurgia, Medicina e Direito Processual Penal, o achismo continua achismo. Zombe-se à vontade no sentido de Direito Processual Penal e seu subsistema recursal serem “equiparados” a cirurgia e Medicina. Zombar também é livre, ainda que em alguns casos, meio patético. O que importa é garantir os 28 x 32 centímetros semanais no jornal para poder falar o que quiser. Mesmo que sem qualquer base. Passe-se ao bisturi. OBSERVATÓRIO GERAL.
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