O crime de ‘ameaça’, previsto no Código Penal, artigo 147, não cabe ao Estado apurar, à polícia ou ao Ministério Público, como cabem os crimes de ação penal ‘pública’ que interessam à sociedade como um todo.
A ‘ameaça’ é um crime que fica sujeito à ‘representação’ do ofendido. O Estado só pode agir se o ofendido autorizar. A lei entende, corretamente, que neste tipo de delito, o mais afetado é o próprio agente, e não a sociedade.
A advogada Beatriz Catta Preta, que trabalhou para réus na operação Lava Jato, exerceu seu mero direito de renunciar aos casos que patrocinava como profissional da advocacia. Resolveu fechar o escritório e largar a profissão. Pelo menos é que ela disse em coerente entrevista ao Estadão. Se daqui a um ano vai voltar atrás, é problema dela. Como ‘justificativa’ – que nem precisava-, falou em ‘ameaça’ à sua pessoa e família. Um motivo sério, pelo menos para ela. Muitos criminalistas já foram ameaçados e não renunciaram a nada; esta costuma ser a regra, admita-se. Mas isto é questão de foro íntimo de cada um e ninguém deve julgar ninguém.
Agora todo mundo quer tirar casquinha. A tv Globo conseguiu uma entrevista exclusiva com a advogada. Na esteira dos 5 conceitos jornalísticos que mais vendem – medo, pânico, caos, escândalo e terror-, insuflou a matéria e a soltou como se fosse um escândalo.
Por seu turno, o ministro da Justiça promete que a polícia federal ‘vai investigar’. Será? O crime não pode ser investigado se o ofendido não autorizar. Pelo menos com a participação da própria vítima, que não pode ser coagida. Talvez o jurista José Eduardo Cardoso tenha se esquecido desse detalhe. Mas, como se diz por aí, fez o seu comercial.
A CPI, por sua vez, que andou com aquela curiosa [e ilegal] sanha de querer saber como a advogada auferia honorários teve que ser contida por uma acachapante decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal. Ricardo Lewandowski coarctou a curiosidade dos parlamentares de se intrometerem em questão de honorários advocatícios.
Agora, a mesma CPI-surf mudou. Resolveu que quer saber sobre a ameaça da advogada. Já pôs na rua outra bravata, e vem outro tiro na água. Repita-se, o crime e a situação de ameaça são protegidos por lei no sentido de que cabe ao ofendido querer ou não investigar, mexer na situação ou não. Será que os parlamentares vão precisar de outro cala-boca do Supremo?
A situação política do país está simétrica com uma situação social BBB. Parece uma novelinha. Políticos que estão fora da ‘mídia Lava Jato’ querem atuar. Criaram esta quarta CPI da Petrobras, quarta desde 1998, sendo que nunca descobriram nada.
Salvo raríssimas exceções, as CPIs nunca chegaram a lugar algum, a não ser parlamentares aparecendo em duvidosos programas de tv tratando-se pela cafonice balofa de ‘vossa excelência’ e se referindo a seus verdadeiros patrões, o povo, por ‘vossa senhoria’, numa inversão de valores cavalar.
O natimorto assunto Beatriz Catta Petra e suas referências profissionais já deu. A não ser por uma imprensa invariavelmente ávida e parlamentares suspeitos preocupadíssimos em encobrir delações que chegam e comprometem a própria presidência da Câmara dos Deputados.
Esse Cunha-vingança está manejando muito bem as articulações políticas possíveis para fazer toda essa marola e tirar o foco da sua condição de investigado criminal, ante uma gravíssima acusação pessoal de locupletamento. Mas aí só o tempo, e as provas, dirão.
Já é hora dessas CPIs que não servem para nada, a não ser mandar para o esgoto o dinheiro do contribuinte, pararem. Perceberem que aquele teatro autoritário e bufão montado às pressas e visando unicamente aos holofotes não cabem mais numa sociedade que se quer minimamente moderna, informal e, sobretudo, profissional. OBSERVATÓRIO GERAL.
[Artigo republicado no BRASIL 247]
Categorias:Política